terça-feira, 27 de outubro de 2020

Solenidade de Todos-os-Santos - 01/11/2020

 Ap 7,2-4.9-14, Sl 23, 1Jo 3,1-3, Mt 5, 1-12a

A solenidade de todos-os-santos é uma festa bastante antiga na Igreja. Jesus Cristo veio a este mundo para nos libertar do pecado. Morrendo na cruz, pagou uma dívida que não tínhamos condição de pagar. Nos unindo à Cristo na cruz, morrendo para nós mesmos, vivemos para Deus. Recepcionando os sacramentos, colocando nossos joelhos no chão e sendo fiéis ao que Cristo espera de nós no banal de cada dia, imitamos a Cristo, nos aproximando assintoticamente do ideal que Ele nos propôs: "sede santos, como Vosso Pai celeste é santo". 

O Evangelho desta data tão bonita, onda celebramos aqueles que foram coroados de glória por seu amor e fidelidade ao Senhor, é o Evangelho das bem-aventuranças. As bem-aventuranças não são coisa de criança. Não é coisa de velhotas fofoqueiras que vivem na Igreja, mas não levam "desaforo pra casa". Não é coisa de "santos de calça jeans", que agem como se Deus fosse um "cara legal" que os ajuda a se realizar profissionalmente e ser extrovertido e bem-humorado com os amigos (não que estas coisas sejam ruins, veja bem). É coisa de gente santa de verdade.

"Bem aventurados os pobres de espírito, pois é deles o reino do céus". Pobre de espírito é quem se reconhece frágil e pecador, que sabe que dele mesmo é só o pecado. O que de bom ele faz, vêm de Deus. O pobre de espírito sabe que não merece nada, que nada a ele cabe, que tudo que Deus dá, dá de graça. O pobre de espírito, então, age de modo "estoico" em certo sentido, louvando a Deus pelos bens que Ele dá e os males que Ele permite, pois "tudo conspira para o bem daqueles que louvam a Deus". Como Jó, bradam: "Nu saí do ventre de minha mãe, nu voltarei pra lá. Deus deu, Deus tira, bendito seja o nome do Senhor!". O pobre de espírito também não busca luxo nem se entrega os prazeres, pois sabe que não é digno disso. Sabe que ele deve tudo, e por isso deve dar tudo, não se deixando escravizar por nada, pois escravizar-se é trair Aquele que a quem tudo devemos.

"Bem aventurados os aflitos, porque serão consolados". O mundo é um vale de lágrimas, e não pode estar satisfeito com ele quem vive com o coração em Deus. Não é que se deseje que o mundo seja melhor para a satisfação de nossos caprichos, se deseja que o mundo seja melhor porque Deus se ofende com tanta maldade, confusão e mentira. Parece, olhando para nossa realidade, que Satanás venceu. Mas ele sempre foi "o príncipe deste mundo": sua derrota, entretanto, já ocorreu, lá no lenho da cruz. O santo persevera, pois sabe que, no fim, "toda lágrima será enxugada", toda lágrima daquele "cujas vestes foram alvejadas no sangue do Cordeiro".

"Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque serão saciados". Repete-se a temática anterior. O mal e a injustiça nos afligem, mas no fim, toda injustiça será resolvida, todo engano, desfeito, toda mentira, revelada. Cristo botará todos os inimigos sob seus pés.

"Bem aventurados os misericordiosos, porque receberão misericórdia". Como demonstra a parábola do Servo Ingrato, devemos a Deus uma quantia impagável. Ele perdoa tal dívida pelo sangue de Cristo, que, sendo Deus e homem, ofereceu, tendo como instrumento sua humanidade um sacrifício de valor Divino. Assim, amou a Deus com um coração humano, um coração humano que deve ser modelo e meta de todo coração humano que vive na Graça. Ora, se recebemos a salvação de graça, se nos foi perdoada uma dívida infinita, como poderíamos recusar perdoar a dívida finita de outrem para conosco? Quem é misericordioso, quem perdoa, quem deseja a salvação e o bem do outro mesmo diante de qualquer mal feito para nós, este é verdadeira figura do Deus vivo, cuja essência é "amor"."

"Bem aventurados os puros de coração, pois verão a Deus". Puro de coração é o homem casto, o homem sem egoísmo, o homem que não quer "receber", não quer "fruir", mas quer se doar em sacrifício. O dom sincero deste homem agrada a Deus, de sorte que Ele se fará presente, como companheiro deste santo, ainda em sua vida mortal.

"Bem aventurados os que promovem a paz, pois serão chamados filhos de Deus". Não a paz humana, a paz da ONU, mas a paz que só pode se dar em Cristo. Promove a paz quem prega o "Cristo crucificado, loucura para os gregos, escândalo para os judeus". Quem prega esta Cristo com a boca e com a vida, este é digno do nome de "filho de Deus" que carrega pelo Batismo.

"Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois é deles o reino do céus. Bem aventurados sois vós quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”. Esta bem-aventurança resume todas as outras. O justo, o santo, é aquele que vive segundo a verdade, na caridade. É aquele que, sabendo-se amado, ama de volta, não com "amor humano", sempre meio egoísta, mas com o amor que o próprio Deus dá a Ele pela graça. Ele ama a Deus verdadeiramente, e por isso, está disposto a sofrer seja lá o que for para que o nome do Senhor seja glorificado. Ele não se abalará com a injustiça para consigo, pois o próprio Cristo foi tratado como bandido. Ele quer se unir na cruz com Cristo, "completando em si o que faltou aos sofrimentos de Cristo". Não busca agradar aos homens (senão que quer fazer o bem a eles, mostrando-lhes Deus), mas a Deus.

A medida do santo é dada pela sua vivência das bem-aventuranças. E como é belo ver a vida de um santo! A vida dos santos brilha pra nós como farol, não porque seja legal e empolgante ter um modelo de vida, como se pudéssemos trocar um santo pelo Michael Jordan ou pelo Albert Einstein. A vida dos santos brilha como poças d'água sob a luz do luar. O sol, que é Deus, ilumina a lua, que é a Virgem Maria, medianeira de todas as graças, que reflete a luz do mesmo sol, iluminando as poças d'água, que adquirem o perolado brilho de água sob a lua cheia. Os santos, no frigir dos ovos, tem o coração conforme ao de Cristo. Cristo, enquanto homem, agiu de modo humano como Deus age de modo divino. Os santos imitam, pela graça, este agir, de sorte que o coração do santo homem ama a Deus como Deus merece ser amado pelos homens. É isso que fez o Sagrado Coração. Os santos são "outros Cristos", e é por isso que a vida deles é bela, por isso que a vida deles nos impele, nos anima no desânimo, nos tira da preguiça espiritual. É porque eles vivem, na medida do possível, quase como o próprio Deus viveria se estivesse na mesma situação. É a ação de Deus que vemos nos santos. Que bom é poder contempla-los, saber que é possível amar a Deus, que é possível ser o que devemos ser, que é possível viver, com a graça de Deus, de modo tal que possamos, no consumar de nossa vida, nos unir à multidão d'aqueles que, com palmas e vestes brancas, louvam o Cordeiro de Deus que tirou os pecados do mundo.

Que pela intercessão da Santíssima Virgem Maria, rainha de todos os santos, e de todos os anjos e santos de Deus, possamos perseverar firmes em direção ao céu. Ali faremos festa, e nossa alegria será completa.

Comunhão dos santos






Reflexão para o "Dia das Bruxas" - 31/10/2020

 Fl 1,18b-26 ; Sl 41 ; Lc 14,1.7-11

Neste 31/10/2020, tradicionalmente é comemorado o chamado "Halloween". A origem dessa comemoração é incerta, porém o termo é uma contração do termo "Véspera de Todos-os-Santos" no escocês (que é como um inglês bugado). É o primeiro dia da tríade de dias que nos lembra de que essa vida é passageira, que essa vida não pode ser o sentido dela mesma. Hoje em dia, o costume é fantasiar crianças com disfarces macabros e recortar abóboras para faze-las de lanterna. Mais uma coisa importada da gringolândia. Diz-se que este costume é uma corruptela secular de uma espécie de "gozação" com as almas malditas, eternamente perdidas. Contemplando aquelas imagens macabras, supostamente o homem passaria a se importar com os bens eternos, e a consequência também eterna de deixa-los para lá. É esse o sentido que será usado nesta meditação.

São Paulo diz, na primeira leitura, que viver é Cristo e morrer é lucro. Se estamos aqui, é porque o mesmo Cristo ainda deseja algo de nós, ele espera que O sirvamos um pouco mais. Mas estamos como que num serviço sem hora pra acabar. Estamos tomando conta de algo que nos foi delegado, sem saber que horas o patrão chegará. Mas uma hora, que ignoramos quando será, o patrão escancarará as portas e pedirá contas daquilo que Ele pediu para seus empregados, nós. Temos uma estranha ilusão de que o tempo é longo, de que temos "a vida toda" pra fazer isso ou aquilo, mas 'agora não'. Sempre guardamos um pouco de nós para nós mesmos. Mas não sabemos, em absoluto, quando o patrão irá chegar. Jovens também morrem, é comum vermos notícias de jovens que morrem de doenças estranhas, ou se acidentam automobilisticamente, ou sofrem morte violenta. Eles provavelmente tinham essa mesma ilusão de que o tempo "seria longo", e isso as levou, como leva a todos nós, a viver de modo relaxado, displicente, desrespeitoso com Aquele que nos delegou algo a fazer. Não quero despertar inquietações, pois o Espírito de Deus é um espírito tranquilo, que leva à constância, não à aflição. Mas é necessário entender que não há sentido em planejar a nossa vida, e viver a nossa vida, como se ela fosse algo em si mesma, como se ela fosse algo a ser construído constantemente de modo perene, até a eviternidade. Nossa vida é meio pra chegar no céu, somos peregrinos neste mundo aqui. Nossa única missão neste mundo é responder, dentro de nossa condição de vida, de nosso estado de vida, ao chamado de Deus de ama-Lo e servi-Lo, pregando seu Evangelho a todos os homens, não só com palavras (mas também por elas), mas com uma vida virtuosa, de trabalho duro, de serviço ao próximo, de ação de graças ao Senhor, dando testemunho claro de que é por Ele que fazemos tudo o que fazemos, com exceção do pecado. 

Se uma pessoa muito querida nos deixasse cuidando da casa dela por alguns dias, é evidente que cuidaríamos bem desta casa. Deixaríamos tudo em ordem, pra que ela não se decepcionasse ao vislumbrar a situação desta no seu regresso. De certo modo, Deus deixou "algo" para que nós cuidássemos também, é esse mundo aqui, cuja figura passa, mas é palco do espetáculo da vida humana. Deus nos colocou aqui para que, fundados no amor a Ele, amássemos uns ao outros, buscando agir sempre conforme o bem comum. A ação concreta adquire complicados nuances, mas estes estão sempre fundamentados em dois pilares: os princípios morais inegociáveis e o nosso estado de vida concreto. Vivendo com base nisso, "cuidaremos" do que nos foi concedido. No caso de um pai de família, são os filhos, os afilhados, a esposa, os parentes, até os colegas de trabalho! No caso de um padre, seu rebanho, no caso de um religioso, o cumprimento de sua regra na radicalidade do Evangelho, pelo bem das almas. Bens aparentes aparecerão, provavelmente nos enganarão, provavelmente nos levarão a busca-los. Se formos exigentes, até mesmo tentaremos justificar a "posteriori", com base no fim último, tal hábito. Devemos, então, estar sempre vigilantes, pois quem está de pé, tome cuidado pra não cair. Quase tudo que se impõe a nós na nossa vida é vaidade. É preciso ser cruel consigo mesmo neste sentido, pois a auto-indulgência gera apenas infelicidade pra quem nela vive, ainda que essa infelicidade pareça felicidade num primeiro momento. 

Temos obrigações concretas, temos a obrigação de amar, temos a obrigação de agir diligentemente, para que a casa esteja limpa e arrumada quando Deus voltar. Se não fizermos isso, se comermos toda a comida da geladeira do amigo sem repô-la, se não limparmos o chão, se deixarmos cocô boiando na privada sem dar descarga, o amigo pedirá contas. O amigo não nos maltratara, apenas ficará decepcionado, pois fizemos a ele um favor meia-boca, mas no caso de Deus, não estamos fazendo um favor. É Ele quem nos fez um favor nos criando, dando a oportunidade de servi-Lo para que, mostrando fidelidade, respondendo ao amor de quem nos "amou por primeiro", nós possamos ser felizes eternamente na presença Dele. Deste modo, o Senhor nos olhará com tristeza, e nós, que O desprezamos ao longo de toda a nossa vida, precipitaremos a nós mesmos na Geena, onde o verme não morre e o fogo não se apaga, para sofrer eternamente como um maldito de Deus. 

O Inferno é uma realidade. Somos livres, mas nossa liberdade é tão grande que podemos até mesmo nos afastar d'Aquele que nos criou, E o caminho que leva ao desprezo de Deus é muito, muito mais largo que o caminho que leva à Ele, pois a nossa missão é uma, a dissipação é ilimitada. O estado ordenado é um, os estados de alta entropia são muitos. O mal não é charmoso, o mal é uma derrota, o mal é um aleijamento, é uma ausência, é a ausência do Deus que é o Sumo Bem. Que possamos viver cientes dessa responsabilidade, cumprindo nosso dever de estado de modo amoroso e diligente. Que possamos sempre rezar, meditando sobre nossos pecados para que assim nos humilhemos diante de Deus, que resiste aos soberbos. Deus permitiu que o homem decaísse, se tornando escravo, para que ele se fizesse humilde e reconhecesse que é mal, que não é nada, que precisa de Deus em tudo. Como diz o Evangelho, que senta no último lugar, este será chamado para se sentar mais na frente pelo próprio dono da festa. Sejamos humildes! Que possamos ter esperança, pois Deus, de amor infinito, pode fazer santos até de trastes como nós. Não desanimemos, não nos desesperemos, pois foi uma consciência culpada que levou Lutero a fazer o que fez num dia 31/10, data inaugural da tristíssima revolução protestante. Perseveremos até o fim, confessemos nossos pecados, comunguemos o Corpo de Cristo, para que assim tenhamos força espiritual para atravessar estes quarenta anos de deserto que são essa vida. Vivamos para Deus, ancorados na intercessão da Santíssima Virgem, "causa de nossa alegria". Se formos sinceros e perseverantes, o céu inteiro nos impedirá de precipitar no fogo eterno na hora derradeira. Dai-nos esta graça, ó Bom Jesus. 


"Apartai-vos de mim, ó malditos"





Batismo do Senhor - 09/01/2022

Is 42,1-4,6-7 Sl 28: " Que o Senhor abençoe, com a paz, o seu povo" At 10, 34-38 Lc 3, 15-16,21-22 Começamos com uma leitura do pr...