Fl 1,18b-26 ; Sl 41 ; Lc 14,1.7-11
Neste 31/10/2020, tradicionalmente é comemorado o chamado "Halloween". A origem dessa comemoração é incerta, porém o termo é uma contração do termo "Véspera de Todos-os-Santos" no escocês (que é como um inglês bugado). É o primeiro dia da tríade de dias que nos lembra de que essa vida é passageira, que essa vida não pode ser o sentido dela mesma. Hoje em dia, o costume é fantasiar crianças com disfarces macabros e recortar abóboras para faze-las de lanterna. Mais uma coisa importada da gringolândia. Diz-se que este costume é uma corruptela secular de uma espécie de "gozação" com as almas malditas, eternamente perdidas. Contemplando aquelas imagens macabras, supostamente o homem passaria a se importar com os bens eternos, e a consequência também eterna de deixa-los para lá. É esse o sentido que será usado nesta meditação.
São Paulo diz, na primeira leitura, que viver é Cristo e morrer é lucro. Se estamos aqui, é porque o mesmo Cristo ainda deseja algo de nós, ele espera que O sirvamos um pouco mais. Mas estamos como que num serviço sem hora pra acabar. Estamos tomando conta de algo que nos foi delegado, sem saber que horas o patrão chegará. Mas uma hora, que ignoramos quando será, o patrão escancarará as portas e pedirá contas daquilo que Ele pediu para seus empregados, nós. Temos uma estranha ilusão de que o tempo é longo, de que temos "a vida toda" pra fazer isso ou aquilo, mas 'agora não'. Sempre guardamos um pouco de nós para nós mesmos. Mas não sabemos, em absoluto, quando o patrão irá chegar. Jovens também morrem, é comum vermos notícias de jovens que morrem de doenças estranhas, ou se acidentam automobilisticamente, ou sofrem morte violenta. Eles provavelmente tinham essa mesma ilusão de que o tempo "seria longo", e isso as levou, como leva a todos nós, a viver de modo relaxado, displicente, desrespeitoso com Aquele que nos delegou algo a fazer. Não quero despertar inquietações, pois o Espírito de Deus é um espírito tranquilo, que leva à constância, não à aflição. Mas é necessário entender que não há sentido em planejar a nossa vida, e viver a nossa vida, como se ela fosse algo em si mesma, como se ela fosse algo a ser construído constantemente de modo perene, até a eviternidade. Nossa vida é meio pra chegar no céu, somos peregrinos neste mundo aqui. Nossa única missão neste mundo é responder, dentro de nossa condição de vida, de nosso estado de vida, ao chamado de Deus de ama-Lo e servi-Lo, pregando seu Evangelho a todos os homens, não só com palavras (mas também por elas), mas com uma vida virtuosa, de trabalho duro, de serviço ao próximo, de ação de graças ao Senhor, dando testemunho claro de que é por Ele que fazemos tudo o que fazemos, com exceção do pecado.
Se uma pessoa muito querida nos deixasse cuidando da casa dela por alguns dias, é evidente que cuidaríamos bem desta casa. Deixaríamos tudo em ordem, pra que ela não se decepcionasse ao vislumbrar a situação desta no seu regresso. De certo modo, Deus deixou "algo" para que nós cuidássemos também, é esse mundo aqui, cuja figura passa, mas é palco do espetáculo da vida humana. Deus nos colocou aqui para que, fundados no amor a Ele, amássemos uns ao outros, buscando agir sempre conforme o bem comum. A ação concreta adquire complicados nuances, mas estes estão sempre fundamentados em dois pilares: os princípios morais inegociáveis e o nosso estado de vida concreto. Vivendo com base nisso, "cuidaremos" do que nos foi concedido. No caso de um pai de família, são os filhos, os afilhados, a esposa, os parentes, até os colegas de trabalho! No caso de um padre, seu rebanho, no caso de um religioso, o cumprimento de sua regra na radicalidade do Evangelho, pelo bem das almas. Bens aparentes aparecerão, provavelmente nos enganarão, provavelmente nos levarão a busca-los. Se formos exigentes, até mesmo tentaremos justificar a "posteriori", com base no fim último, tal hábito. Devemos, então, estar sempre vigilantes, pois quem está de pé, tome cuidado pra não cair. Quase tudo que se impõe a nós na nossa vida é vaidade. É preciso ser cruel consigo mesmo neste sentido, pois a auto-indulgência gera apenas infelicidade pra quem nela vive, ainda que essa infelicidade pareça felicidade num primeiro momento.
Temos obrigações concretas, temos a obrigação de amar, temos a obrigação de agir diligentemente, para que a casa esteja limpa e arrumada quando Deus voltar. Se não fizermos isso, se comermos toda a comida da geladeira do amigo sem repô-la, se não limparmos o chão, se deixarmos cocô boiando na privada sem dar descarga, o amigo pedirá contas. O amigo não nos maltratara, apenas ficará decepcionado, pois fizemos a ele um favor meia-boca, mas no caso de Deus, não estamos fazendo um favor. É Ele quem nos fez um favor nos criando, dando a oportunidade de servi-Lo para que, mostrando fidelidade, respondendo ao amor de quem nos "amou por primeiro", nós possamos ser felizes eternamente na presença Dele. Deste modo, o Senhor nos olhará com tristeza, e nós, que O desprezamos ao longo de toda a nossa vida, precipitaremos a nós mesmos na Geena, onde o verme não morre e o fogo não se apaga, para sofrer eternamente como um maldito de Deus.
O Inferno é uma realidade. Somos livres, mas nossa liberdade é tão grande que podemos até mesmo nos afastar d'Aquele que nos criou, E o caminho que leva ao desprezo de Deus é muito, muito mais largo que o caminho que leva à Ele, pois a nossa missão é uma, a dissipação é ilimitada. O estado ordenado é um, os estados de alta entropia são muitos. O mal não é charmoso, o mal é uma derrota, o mal é um aleijamento, é uma ausência, é a ausência do Deus que é o Sumo Bem. Que possamos viver cientes dessa responsabilidade, cumprindo nosso dever de estado de modo amoroso e diligente. Que possamos sempre rezar, meditando sobre nossos pecados para que assim nos humilhemos diante de Deus, que resiste aos soberbos. Deus permitiu que o homem decaísse, se tornando escravo, para que ele se fizesse humilde e reconhecesse que é mal, que não é nada, que precisa de Deus em tudo. Como diz o Evangelho, que senta no último lugar, este será chamado para se sentar mais na frente pelo próprio dono da festa. Sejamos humildes! Que possamos ter esperança, pois Deus, de amor infinito, pode fazer santos até de trastes como nós. Não desanimemos, não nos desesperemos, pois foi uma consciência culpada que levou Lutero a fazer o que fez num dia 31/10, data inaugural da tristíssima revolução protestante. Perseveremos até o fim, confessemos nossos pecados, comunguemos o Corpo de Cristo, para que assim tenhamos força espiritual para atravessar estes quarenta anos de deserto que são essa vida. Vivamos para Deus, ancorados na intercessão da Santíssima Virgem, "causa de nossa alegria". Se formos sinceros e perseverantes, o céu inteiro nos impedirá de precipitar no fogo eterno na hora derradeira. Dai-nos esta graça, ó Bom Jesus.
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