segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Segunda-Feira da 1ª Semana do Advento - 30/11/2020

Rm 10,9-18, Sl 18, Mt 4,18-22

Hoje comemoramos o dia de Santo André e também a primeira liturgia ferial do Advento. A carta aos Romanos, escrita por São Paulo, deixa clara a necessidade do anúncio da salvação em Jesus Cristo. No mundo, alguns buscam a verdade, outros, a maioria, já se amortizou nos prazeres mundanos, e vivem para uma esperança imanente que esconde um profundo desespero que emerge nos momentos de provação. Tudo isso se dá porque as pessoas, hoje em dia, não sabe de onde vieram, não sabem porque estão neste mundo, não sabem pra onde devem ir. O anúncio do Evangelho tem um caráter existencial, porque nos revela o sentido de nossa vida, e proporciona a possibilidade de vivermos, de buscarmos aquilo que devemos buscar para que sejamos, no final das contas, felizes. É Deus o sentido último de nossa vida, esse Deus que se encarnou na pessoa de Jesus Cristo e que, pela graça recebida no batismo e ao longo da vida, nos permite pouco a pouco viver uma vida que participa da vida divina de Jesus, que é plenamente feliz e realizado em si mesmo. 

 Ora, no mundo de hoje, pós-cristão, onde palhaçadas tipo "Black Mirror" expressam bem a decadência civilizacional, ninguém mais sabe pra que está aqui. Os mais grosseiros buscam o prazer, os mais ambiciosos buscam "deixar um legado e serem lembrados", se esquecendo de que a maior das vaidades é se importar com o que pensarão de você depois que você morrer. O anúncio é, como sempre foi, necessário. Cristo se revelou para nós, nos pescando deste mundo biruta, e Ele quer pescar outros homens através de nós. Como fazer isso? Certamente não é fugindo de nossa realidade concreta, mas realizando-a com perfeição sobrenatural, a qual brota de uma vida de oração íntima, de frequência nos sacramentos, de um beber contínuo da fonte de todo Bem, Deus mesmo. Não trabalho por causa de mim mesmo, nem sequer trabalho por causa de minha família em si mesma. Devo trabalhar por causa de Deus, e enxergando "outros Cristos" por imagem e semelhança em minha família, trabalharei por eles. Vendo "outros Cristos" nas pessoas que eu poderia influenciar numa universidade, eu trabalharei por eles. Percebendo que a física é matematização do mundo bom criado por Deus, trabalharei para entende-la. Meu Jesus, ajudai-me a entender que devo fazer o que eu devo fazer e estar no que estou fazendo. Ajuda-me a perceber que a fuga do trabalho é uma ofensa a vós, e fazer um trabalho distraidamente é oferecer bois defeituosos no altar cósmico da criação. Ajuda-me a perceber que poderia revelar muitos a Vós sendo verdadeiramente católico e verdadeiramente competente em minhas ocupações. Ajuda-me a não querer viver outra vida que não seja a minha. Eu sou eu e minha circunstância: com a Vossa graça, ajuda-me a ver eu tudo ocasião da santificação, pois eu sei que tudo é, pois Vossa providência engloba tudo. 

Ó, Virgem Sacratíssima, rogai a Deus por nós! Santo André, rogai por nós!

Santo André

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Quinta-Feira da 34ª Semana do Tempo Comum - 26/11

Ap 18,1-2.21-23; 19,1-3.9a, Sl 99, Lc 21,20-28

E se inicia mais um dia, e, no aproximar-se de Sábado, último dia (efetivamente) do ano litúrgico, o tom nas leituras soa cada vez mais apocalíptico. Como diz o Pe. Jonas, a mensagem do Apocalipse não é de desgraça, mas de esperança. Hoje, talvez mais fortemente que em qualquer época da história, as oportunidades de dissipação e satisfação dos prazeres são tão grandes que nos cegam para o verdadeiro caráter deste mundo: ele é caduco. Existe, efetivamente (como já notou até o macumbeiro do Wolfgang Smith), uma contraposição essencial entre a dissipação e o foco no Único necessário. Efetivamente, saltar de um fato, pra outro fato, pra outro fato, sem focar em nada, nos faz alcançar somente a superfície das coisas criadas. Trabalhar sem concentração (e sem amor: sem amor, nada vale) também faz com que fiquemos na superfície. Ora, o homem não foi feito para a superficialidade, porque a superficialidade é contingente, ela se refere a algo que passa. É esse o grande perigo da dissipação, pois o homem se torna um "pródigo" intelectual, as coisas que passam pela sua mente são simplesmente consumidas, e ele caminha como um dragão faminto e furioso, a queimar e devorar todas as coisas, sem se atentar pra aquilo que elas são. Pelo contrário, todas as coisas são sustentadas na realidade, recebendo de Deus um ser participado, que as traz a existência. Todas elas estão ligadas por isso que as torna reais. Elas não tem o fundamento em si mesmas, mas apontam para Aquele que as sustenta. Sendo belas, refletem a beleza do artista, que as fez com perfeição conforme suas ideias eternas, e é a Ele que devemos chegar por meio da contemplação das criaturas. Não que as coisas sejam ruins, pelo contrário, elas são boas, e refletem a Bondade infinita Daquele que as fez. 
 No cotidiano, vale o mesmo. É fortíssima a nossa tendência à dissipação, mas quando nos concentramos, pedindo a graça de Deus, numa tarefa, ela (se for uma tarefa que conversa com nosso estado de vida e nosso dever associado) cria uma significação existencial pra nós. Meditamos nas pessoas beneficiadas por aquele nosso esforço, meditamos no verdadeiro combate espiritual, no "carregar a pequena cruz" que é esse esforço para nos unirmos a Cristo no trabalho cotidiano. Conseguimos, sob uma janela ofuscada, evidentemente, perceber o grande sentido daquela tarefa no todo de nossa vida, numa vida que deve se iluminar em seu sentido diante de Deus, que quer nos transformar em "outros Cristos". Amar o que se faz, perceber a graça de Deus agindo, é impossível se se fica na dissipação. Deste modo, a própria atitude de se dissipar é contrária à santificação na vida diária, e o é de modo muito radical. Ó Jesus, que essa verdade se entranhe em mim de tal forma que me gere repugnância o seu descumprir! Que eu jamais pense que é "ok" dar vazão à curiosidade no meio de um dia de trabalho! Tirar a mente de Deus pra focar na multiplicidade das criaturas? As criaturas que não são necessárias, que passam, que se corrompem? O Templo caiu, um dia até as "forças do universo" entrarão em colapso, mas o mesmo que conduz a história continuará a conduzindo, até que ela chegue ao seu termo. Aí, tudo que está aí passará, e valerá o nosso amor por Deus, o amor que praticamos, o zelo pelas coisas Dele, o perceber que tudo no mundo foi feito por Ele, o perceber que em cada homem, há, pela graça, um "outro Cristo" (pela fé) em potencial, que deve ser amado e servido. 

 Que, pela intercessão da Virgem, possamos nos concentrar na tarefa que fazemos, de modo a encaixar esta mesma tarefa, sob a luz da Graça, no sentido último da nossa vida, Deus mesmo. Essa tarefa pode ser qualquer: trabalhar, estudar, cuidar de pessoas... o importante é que a façamos com o coração em Deus e a mente focada na tarefa. Que possamos fugir da dissipação, ó Jesus, como Vossa Mãe, que viveu a vida inteira sem retirar do coração o Senhor dos Céus e da Terra. Louvado Seja Nosso Senhor, Jesus Cristo.


E tudo ruirá




quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Quarta-Feira da 34ª Semana do Tempo Comum - 25/11

Ap 15,1-4, Sl 97, Lc 21,12-19


"Não prepareis a vossa defesa, pois o Senhor Vos dará palavras acertadas". Em continuidade com a maravilhosa homilia n.1640 do Padre Paulo Ricardo, meditamos no fato de que Deus nos dá a Sua graça no hoje. Quantas vezes não temos a tendência de sofrer por antecipação? "Ah, como é que eu vou reagir perante situação x que pode acontecer em tal momento?". Ora, é evidente que não seremos aceitos pela maioria das pessoas se vivermos e pregarmos o Evangelho com palavras e com a vida. A maioria das pessoas não tem "boa vontade", pois a boa vontade exige o negar a si mesmo, exige se humilhar e colocar diante da Verdade que se impõe. Ora, até eu, que busco (talvez com fraqueza de vontade, mas busco) viver uma vida reta, muitas vezes me percebo ficando ofendido com alguma verdade moral evidente que irá exigir uma mudança de vida! Deste modo, não seremos aceitos. Mas Deus diz que nos dará "palavras acertadas". Isso significa que Ele sempre dará a graça para que enfrentemos a situação de agora, a situação presente. Se minha situação é arranjar força de vontade para trabalhar bem, pro bem da família e oferecendo o sacrifício por aqueles que precisam, é pra isso que Deus me dará a graça. Toda fuga da situação concreta presente, numa busca desordenada do "o que eu vou fazer?", leva a um embotamento e a um ignorar da graça "atual", não no sentido teológico, mas no sentido de "graça dada no aqui e no agora". É no hoje que poderemos ser santos, pois o hoje é a única coisa que nos pertence. O passado já não pode ser mudado, e o futuro ainda não está no nosso alcance.

Neste dia de hoje, ajudai-me, Senhor, a ouvir a Vossa voz, que sussurra na nossa consciência. A abraçar a tua Graça, que nos ajuda a cumprir o que devemos cumprir, para que nos tornemos menos imperfeitos diante de Vossos olhos. Acaba o tempo litúrgico, e devemos nos lembrar que tudo passa. Mas não passa jamais aquilo que fizemos em Deus, não passa jamais a nossa amizade com Cristo, que se concretiza no fazer por Ele e nEle tudo aquilo que cabe a nós. Que pela intercessão da Virgem, refúgio dos pecadores, possamos desconfiar de nós e confiar em Deus, aproveitando a graça que Ele dá a todos aqueles que Lho pedem. 




 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Terça-Feira da 34ª Semana do Tempo Comum - 24/11/2020

Ap 14,14-19, Sl 95, Lc 21,5-11

A liturgia de hoje vêm nos lembrar de uma grande verdade de nossa fé: Jesus Cristo virá para julgar este mundo, que encontrará então o seu termo. A nossa tendência normal, dada a quantidade de estímulos e a quantidade de pessoas falando "coisas legais", é viver na multiplicidade dissipativa, buscando estímulos externos e dando vazão ou para a curiositas (o mais típico pra mim) ou para a busca desordenada de prazeres sensíveis (meu pavor de banho gelado nos últimos dias deve ligar o meu sinal de alerta pra isso também). Se a pessoa contesta a importância de tudo isso, se eleva até a questão do sentido da vida, da causa final pela qual fazemos os atos que fazemos. Isso nos leva (claro, se tivermos a consciência de pedir a Deus tal clareza, porque por nós mesmos não fazemos nada de bom) a uma vida mais digna, mais refletida, mais humana. Mas a coisa é que não para por aí. Não é que cada pessoa individualmente vá ser julgada pelos seus atos e acaba por aí. Ressuscitaremos na carne e Cristo julgará todos os homens e toda a história humana, depois de ocorrer tudo aquilo que está previsto. Todo mal-entendido será desfeito, toda injustiça, desvelada, todo falso virtuoso, desmerecido, todo homem injustiçado, reabilitado. Perceberemos o valor dos atos individuais, seu peso na história, suas consequências na salvação e na perdição de multidões. Tudo isso se dará depois que certos eventos acontecerem, eventos estes que ao mesmo tempo são sinal do fim e necessários para o mesmo fim, como a conversão dos judeus e a "abominação da desolação no lugar santo". O mais impressionante é perceber que isso não é uma metáfora ou qualquer coisa do gênero: a ressurreição da carne se dará, este juízo fantástico se dará, o mundo, tão sólido e tão perene, chegará ao seu fim, e Ele criará "novos céus e nova terra". 
O mundo caminha para uma má direção, e é fácil se entristecer com o rumo tomado pelas pessoas em conjunto. Cada vez mais cresce o secularismo radical, e com ele seus frutos, como a perda do respeito pela dignidade da vida humana, a busca desordenada pelos prazeres, o ódio à religião e, em geral, uma ideia totalmente equivocada a respeito daquilo que é o verdadeiro sentido e norte da vida humana. Mas tudo está nos planos de Deus. Tudo é perpassado pela inteligência infinita do Ser Absoluto, de Deus, cujo Logos Eterno se encarnou para nos salvar e também para nos fazer perceber que o Senhor tira bem até do mal que Ele permite. Tudo está nos planos Dele, e tudo se encaixará no final, onde derrotados serão aqueles que escolheram o lado derrotado, e vitoriosos serão aqueles que viveram para Ele. 

Me confessei hoje: antes ser um sem-vergonha cretino que se confessa do que um soberbo que quer se reerguer sozinho. Mais uma vez perdi tempo procrastinando, vendo coisas de artes marciais. Como nossa mente gira violentamente para o imanente quando a nossa força de vontade, amparada pela Graça, deixa de vigiar um pouco que seja! O velho adágio, "desconfiar de nós e confiar em Deus", é o melhor conselho possível. A guerra já está vencida. O Inimigo já está derrotado. O Vitorioso já se declarou, ali, no madeiro da cruz. Que lado vou escolher? O perdedor ou o vencedor? A dissipação ou o trabalho? A boca-sujisse auto-indulgente ou a polida gravidade de um homem de Deus, que sabe rir sem ser um crápula? A fuga constante da rotina ou a vivência insistente da mesma? A mentira (ou restrição verbal) pertinente ou a coragem de assumir e viver na verdade? O jeitinho brasileiro ou a honestidade implacável? A busca do prazer do banho quente ou o banho gelado, que é mais do que merecemos? Que eu possa, Senhor, com o auxílio de Vossa Graça, amparado neste Vosso poço infinito de misericórdia, ser humilde, perceber que não sei nada, que sou um verme inútil, e daí obedecer a Vossa voz, tão boa, tão amável, e nela me alegrar. Apenas no Vosso seguimento há alegria, as luzes suntuosas do mundo na verdade escondem trevas negríssimas. Que, pela intercessão da Virgem Maria, possamos nos encontrar do lado vencedor no Dies Irae.


Jerusalém e o Templo são destruídos


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Segunda-Feira da 34ª Semana do Tempo Comum - 23/11/2020

Ap 14,1-3.4b-5, Sl 23, Lc 21,1-4

Estamos na última semana litúrgica do ano. Abrindo a semana com a festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, continuamos lendo o apocalipse. Mas a mensagem do Evangelho é sobre o que meditarei: hoje, falamos da viúva que dá ao templo tudo que ela tem pra viver. Ela ofertou literalmente tudo o que tinha pra sobreviver, e ainda que fossem apenas alguns trocados, seu sacrifício foi muito mais agradável a Deus do que as grandes somas dadas pelos homens ricos. 
Obviamente este texto tem uma leitura espiritual, a respeito da nossa doação a Deus em tudo que fazemos, oferecendo a Ele tudo que temos. Mas vou focar mais na questão financeira mesmo. Estamos passando por um período de transição aqui em casa: minha esposa não foi capaz, por motivos justíssimos, de continuar o mestrado. Na melhor das hipóteses, não teremos mais a bolsa do CNPq que ela recebe. Na pior das hipóteses, se as justificativas para a desistência não forem aceitas, teremos que devolver uma soma que chega a quase 30.000 reais. Nossa renda, então, cairá bastante, o que nos forçará a algo que já deveríamos ter feito a tempos: um planejamento mais profundo de como gastar e um corte de praticamente tudo aquilo que é supérfluo. O que isso tem a ver com a viúva? Ora, numa época de corte de gastos, a primeira tendência é fechar a carteira e o rosto pr'aqueles que recorrem a nós, precisando de nossa ajuda. Claro, sejamos francos, não é todo mundo que pede que precisa, e não é toda ajuda que realmente ajuda, pois há muitos que usam o dinheiro dado por nós para se destruir. Mas a questão não é o que eles vão fazer, mas a nossa atitude perante o outro. Em primeiro lugar, quantas vezes gastamos com coisas que não nos fazem bem apenas para satisfazer um prazer, comprando doces, por exemplo? Em segundo lugar, Cristo disse para que fossemos generosos com quem pede, não que ficássemos vigiando a pessoa pra ver com que ela gastaria o que a gente está dando. Em terceiro lugar, e mais importante: é muito fácil usar esse "senso de responsabilidade" (ah, ele vai comprar drogas!) para justificar nossa falta de generosidade! Óbvio, é melhor dar comida que dinheiro, mas é necessário que não viremos as costas, ainda que doa, ainda que pareça que vai faltar pra nós no final, pois é justamente essa oferta confiante na providência de Deus, que diz que "tudo mais será acrescentado", que santifica, e não a doação do "excesso". O mesmo pode-se dizer do dízimo, da oferta, de toda sorte da ajuda financeira à paróquia ou instituições beneficentes ou religiosas. Que não fechemos o nosso coração, mesmo num período de vacas magras. A viúva era provavelmente mais pobre que os mais pobres de hoje, e ainda assim deu tudo para o Templo. Já vimos mendigos dando balinha pra nossa filha por pura vontade de presentear um bebê, ainda que aquela balinha seja importante para que eles possam comer a pobre comida cotidiana! Temos que ser generosos como os pobres. Devemos ser sim pão-duros, sim, mas conosco mesmos. Com quem precisa, generosidade. Ajuda-nos, ó Senhor, a sermos generosos, para que possamos Vos louvar com os cento e quarenta e quatro mil salvos, figura da totalidade dos bem-aventurados, ouvindo a canção que apenas os que Vos amam podem compreender. Stella Maris, Ora pro Nobis.

Viúva doando suas moedinhas ao Templo


domingo, 22 de novembro de 2020

34º Domingo do Tempo Comum - Jesus Cristo, Rei do Universo - 22/11

Ez 34,11-12.15-17, Sl 22, 1Cor 15,20-26.28, Mt 25,31-46

Hoje é festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, repaginação da antiga festa de Cristo Rei do calendário tradicional. Evidente: todo homem está obrigado moralmente a adorar o Deus verdadeiro na pessoa de Jesus Cristo, e o reinado social de Nosso Senhor é sim uma meta a se buscar, mas não parece existir qualquer chance disto acontecer num futuro próximo. Essa meta, entretanto, não é um fim em si, mas tem como fim facilitar o reinado de Jesus no coração de todos os homens. Óbvio que sempre haverão aqueles que O negarão, isso na melhor das sociedades, mas um mundo tal como nosso, império de Anticristo, evidentemente faz com que muitos mais homens se percam, porque aquilo que pareceria evidente se torna obscuro. Não vemos tanta coisa errada, tantos falsos valores, tanto mal se passando por bem, no mundo atual? 
O Reinado Social só se pode dar numa sociedade católica, evangelizada e que saiba que essa é a meta. Nossa sociedade não é evangelizada, não conhece Cristo, não sabe quem Ele é, o que Ele nos veio dizer e o que Ele espera de resposta de nossa parte. Estamos em um mundo pós-cristão, pior ainda que o mundo pagão, pois lá, ao menos, o Cristianismo trazia o frescor de uma novidade. Era uma boa nova, não uma "boa velha". 
Entretanto, aquele mundo pagão foi evangelizado. Como? Pelo testemunho de fé dos primeiros cristãos, que abandonaram tudo, absolutamente tudo, para pregar a Jesus Cristo e deixar-se transformar por Ele. Não há santos tão santos quanto os da era apostólica, exceto os maiores santos da Igreja, justamente porque, para que o catolicismo se expandisse, muita santidade era necessária. Deus derramou graças especiais sobre aqueles primeiros discípulos de Cristo. Acho que, se desejamos que o mundo volte a prestar culto a Cristo como único Senhor, como Rei do Universo, é preciso que nos santifiquemos. Nossa época é marcada pela frouxidão e pela tibieza de nós, católicos. Vemos a vida de um São Paulo, e pensamos: "ah, isso não é pra nós, somos leigos, somos casados...". Vemos o chamado a uma vivência extraordinária do casamento, buscando agradar a Deus em cada instante desta vida oculta, no trabalho diário, no trato com os familiares, no trato com as pessoas, e não nos preocupamos com isso, pois parece-nos muito pouco. Dixit Jesus: quem for fiel no pouco, muito lhe será confiado. Algo assim. É óbvio que não dá pra trocarmos de vida, deixando pessoas na mão, pra viver um sonho de missionariedade, até porque seria um fracasso, pois quem não consegue viver santamente numa vida comum e cotidiana, não tem Cristo algum pra levar pros outros num contexto de missão. Mas quem é que vai levar o catolicismo às pessoas, se não houverem missionários? Nós mesmos, no contexto onde estamos inseridos? Talvez seja, talvez não, mas o primeiro passo é amarmos a Deus sobre todas as coisas, vivendo santamente o que nos cabe, negando-nos a nós mesmos e ouvindo a voz do pastor que chama pelas suas ovelhas e cuida delas, separando-as dos cabritos insolentes. 

Ser santo é festejar a majestade de Deus sobre nós. Antes do reinado social, é preciso que Cristo reino sobre nós, para que levemos essa verdade vital a todos os homens. Uma nação verdadeiramente evangelizada entronizará Jesus como Rei. Podemos, no máximo, rezar e viver de modo agradável à Ele: o resto está pra além de nossas capacidades. Tudo é perpassado pelo plano da providência. Pode ser que Ele nunca mais reine sobre este mundo aqui, mas no final dos tempos, quando soarem as trombetas e as forças da natureza entrarem em colapso, daí certamente Ele virá, submetendo tudo sobre seu reinado, e mandando "matar na frente dele" àqueles que não desejaram que Ele reinasse sobre seus corações. Que tenhamos coragem de fazer a nossa parte, para a Glória de Deus, para a salvação dos homens, levando a Verdade até todos os "pobres" que precisam dela (todos os homens!). Seremos, então, encontrados entre o número das ovelhas para as quais Jesus diz: "vinde, benditos de meu Pai".

 Que nesse Cristo Rei, eu possa permitir que o Senhor reine em meu coração, pela intercessão da augusta rainha dos Céus, Santíssima Virgem Maria. Se Ele reina, tudo é visto a luz da eternidade. E é apenas esta luz que pode nos fazer enxergar as coisas tais como elas de fato são, e o que devemos fazer de nós mesmos, com o auxílio da graça, para chegar até nosso fim último, ver Deus face a face. Que não sejamos tíbios, seguindo em frente com coragem. 
Viva Cristo Rei


Cristo Rei


sábado, 21 de novembro de 2020

Sábado da 33ª Semana do Tempo Comum - Apresentação de Nossa Senhora - 21/11/2020

Zc 2,14-17, Lc 1,46-55, Mt 12,46-50

No dia de hoje, celebramos a apresentação de Nossa Senhora, festa fundada na tradição, que trás como verdadeira a realidade da infância de Maria descrita pelo proto-evangelho de São Tiago, embora certamente muitos dos detalhes lá descritos sejam não-inspirados (senão, estaria no Cânon da Bíblia). Essa festa expressa a primeira das entregas de Nossa Senhora ao Nosso Senhor. Jesus Cristo, o Senhor, é o noivo, e a Igreja, e seus membros individualmente, são a noiva. Nossa Senhora é a figura perfeita da noiva: vestido irrepreensível, pele sem mancha, sorriso radiante, véu branco e fulgurante, coroa de ouro e pedras preciosas em sua cabeça: a mais lindas das noivas. Ela é pura, sem pecado, coroada de virtudes, e é por isso que ela é "tipo" da Igreja, a Igreja deveria buscar ser, para Deus, como ela foi. Óbvio que ela supera infinitamente tudo que podemos ser, porque a graça derramada sobre ela ultrapassa a de todos os anjos e a de todos os santos, mas devemos sim buscar nos apresentar diante de Noivo de modo digno. Somos como uma noiva cheia de espinhas e cravos no rosto, de pijama roto, pele manchada e corpo flácido. Se nos apresentarmos assim diante do Noivo, ele nos rejeitará. Mas ele deseja que nós nos unamos a Ele, e deste modo, fornece, se nós pedirmos a Ele, tratamentos de pele, academia, boa comida e belas vestes. Para tal, precisaremos ir até a loja e os salões de estética, debaixo de forte sol, e o tratamento é longo e dolorido, assim como na academia os treinos são árduos e cansativos. É uma analogia patética, da qual sinto uma certa vergonha, mas é estranhamente acurada: de nosso mesmo, temos só ignorância e pecado. Pela luz de Cristo refletida na Igreja, vemos a nossa feiura, nosso nada nojento diante do Tudo que é Deus. Devemos então nos humilhar e dizer: "Senhor, por mim nada posso, dai-me forças para que eu possa Vos amar e Vos servir". Ele dá a graça, mas precisamos usa-la para agir de modo agradável a Deus, fazendo o que devemos fazer, insistindo na oração, combatendo os vícios e buscando as virtudes. Se formos perseverantes, nos purificaremos, e seremos dignos de entrar no Banquete Nupcial. Se não, seremos rejeitados, como uma noiva feia e desleixada que não aproveitou as oportunidades que tinha para se embelezar. 
Que possamos, Senhor, abraçar a Vossa graça, para que nos tornemos "mais brancos que a neve". O Senhor faz por nós maravilhas, e Santo é o seu nome: que, como a Santíssima Virgem, aproveitamos as graças dadas por Deus para caminhar sempre sempre pelos Vossos caminhos, sem tibieza. Louvado seja o Vosso nome para sempre, e viva a Santíssima Virgem Maria!
Apresentação de Nossa Senhora


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Sexta-Feira da 33ª semana do tempo comum - 20/11

Ap 10, 8-11, Sl 118, Lc 19,45-48

A palavra de Deus é doce na boca, mas amarga no estômago. A mensagem da leitura do Apocalipse lida hoje expressa que Cristo trás de fato uma mensagem de boa nova, de esperança, de sentido, mas que essa mensagem, à qual devemos aderir de corpo e alma, exige de nós renúncias e sofrimentos. Ela é doce na recepção e amarga na vivência. Essa amargura vem da nossa fragilidade humana, que deseja aceitação e gozos terrenos. O Evangelho fala de Jesus expulsando os vendilhões do templo. Óbvio, Cristo não "viveu" o Evangelho, Ele É o Evangelho propriamente dito, o Evangelho anuncia a si mesmo como Deus, nas suas intenções mais profundas de salvação da humanidade, mas Ele é o modelo perfeito do que significa viver o Evangelho, do como devemos viver. E Ele, sem qualquer respeito humano, sem qualquer desejo de aceitação, age com santa ira para com aqueles que transformavam o Templo, onde habitava Deus, num "mercado de peixes", por assim dizer. 
E nós... quantas vezes nos calamos diante da injustiça? Quantas vezes deixamos de aconselhar para não ofender? Quantas vezes mitigamos a verdade para que ela seja mais aceita, mesmo que assim ela perca as forças? Quantas vezes nos envergonhamos, emasculadamente, da cruz de Cristo? 

 Com o perdão da vulgaridade, cerveja amarga e café sem açúcar são coisas de homem. Banho gelado é coisa de quem não busca prazer nem aceitação. Sendo homem ou mulher, o Evangelho exige firmeza de caráter. Ora, alguns tem mais facilidade com isso, outros menos, mas a Graça do Senhor está aí pra quem se humilha diante Dele, dizendo "Senhor, não sou capaz". Dai-nos, Senhor, vontade reta e coragem de agir com verdade e caridade, de acordo com que a situação nos exige. Cristo é o Rei, comemoraremos isso no domingo próximo. Que Ele reine em nossa vida, e percebamos, no fundinho desse amargor dos sofrimentos, a enorme vitalidade da Vida Sobrenatural que se desenvolve em que O serve com coragem. Que pela intercessão da Rainha dos céus, possamos obter o perdão de Deus e a força, vinda Dele, para fazermos sempre o bem e evitarmos sempre o mal.

Cristo expulsa os vendilhões


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Quinta-Feira da 33ª Semana do Tempo Comum - 19/11

Ap 5,1-10, Sl 149, Lc 19,41-44

Passando novamente pelos textos apocalípticos, chegamos ao Evangelho, onde Cristo chora pela Jerusalém que não O reconhece no tempo propício. Jesus nos chama a cada momento. Cada instante de nossa vida é um chamado, e Ele continua nos chamando a conversão, a mudança de vida, a mudança de mentalidade. A vida humana é um grande "kairós": enquanto há vida, há esperança, porque Jesus quer salvar a todos nós. Mas ninguém pode acrescentar sequer um segundo à própria vida, ninguém tem controle sobre quando vai morrer. Esse tempo oportuno, tempo da graça, tempo da misericórdia, vai se findar quando Jesus vier definitivamente para que prestemos contas a Ele. E Jesus chora por aqueles que não souberam aproveitar o tempo oportuno, e agora se vêem se mãos vazias diante do destino eterno, sem nada pra apresentar. 

Essa liturgia nos mostra o rosto de Cristo, um Cristo que se apieda e tem misericórdia de nós, e se entristece pelas nossas más escolhas, pelos nossos pecados. Cristo não veio pra condenar, mas para salvar, nos colocando no caminho correto. Repito: enquanto há vida, há esperança, mas Cristo chora, pois há muitos que escolhem o mau, e ele não violenta o livre-arbítrio do homem. Mas Ele sabe que isso é ruim para nós, e se entristece pelas nossas más escolhas. Somos frágeis e pecamos, mas Cristo está de braços abertos para nos receber, desde que nos arrependamos humildemente, fazendo propósito de não mais pecar. Ele quer que nós nos salvemos. Mas Ele não poderá nada para salvar àqueles que ignoram a Sua graça. E cairá a Jerusalém da vida desta pessoa, assim como caiu a Jerusalém real pelas mãos dos romanos.

Que neste dia, Senhor, eu possa trabalhar bem, com virtude, com alegria, sem procrastinação, neste último working day da semana. E entregamos a Isabel, nossa futura afilhada recém-nascida, em vossas mãos, pelas mãos da bem-aventurada Santíssima Virgem Maria e Santa Isabel. Que ela possa ser uma grande santa, e que nós possamos ser exemplos pra ela. Como precisamos melhorar, Senhor! Que possamos confiar na Vossa misericórdia, sempre seguindo em frente. Vós desejais que sejamos salvos: precisamos de mais, vindo Daquele que pela palavra criou tudo que existe?


Jesus chora pela Jerusalém que O rejeita no tempo oportuno


quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Quarta-Feira da 33ª Semana do Tempo Comum - 18/11

Ap 4,1-11, Sl 150, Lc 19,11-28

O texto lido hoje é o da parábola do homem que vai ser coroado rei e que deixa seus empregados cuidando de algumas moedas, esperando que eles a multipliquem. Há, no reino sobre o qual este homem reinará, muito homens que não desejam que ele reine. Ele foi coroado, premiou aqueles que multiplicaram o dinheiro, puniu aquele que não multiplicou, e "matou na frente dele" àqueles que não desejavam que ele reinasse.

O que essa parábola quer dizer? Quando fomos batizados, recebemos uma nova vida, uma vida sobrenatural, que vale mais do que tudo quanto Deus fez no universo. É uma vida superior até mesmo à vida natural dos anjos (sem a graça). É como uma sementinha, que tem que ser regada e adubada para gerar um grande pé de mostarda. Esta sementinha é como o contrato que temos com Deus, de sermos "empregados" Dele. As moedas que Ele nos dá são os dons que temos, é a graça que Deus nos dá para que, dentro de nosso estado de vida, frutifiquemos. Se nos faltar generosidade, se vivermos uma piedade rasa e superficial, não estaremos "frutificando" estes dons, e Deus nos vomitará, pois não somos quentes nem frios. Aqueles que foram mortos diante de Deus são aqueles que o negaram. São aqueles que desprezaram a Deus, que nem sequer tentaram servi-Lo aqui nessa vida. Essas pessoas podem aproveitar essa vida aqui, mas qualquer possível alegria, já amarga nesta vida, será transformada em tristeza eterna no fim. Quem frutificou o dinheiro, entretanto, este reinará junto com o Rei pelos séculos dos séculos, dizendo "Santo, Santo, Santo, Senhor Deus  onipotente" e contemplando Àquele que preenche nosso coração.

O que isso me diz, particularmente? Que Cristo deixa muito claro o peso existencial da vida humana. Ou vivermos para Ele com generosidade, ou jogamos nossa vida fora. Fomos feitos por Deus para servi-Lo, pois isso nos faz bem, nos realiza. Eu tenho dons. Será que estou frutificando estes dons? O dom de ser bom de conta, o dom da boa memória, o dom da capacidade de ter vida intelectual profunda? Sou pai e marido. Será que estou cuidando de minha esposa e de minha filha? Será que estou sendo virtuoso no trabalho e no lar? 

Peço-Vos, Senhor, a graça de frutificar estes dons que me destes. Sou Vosso escravo, fui batizado, quero verdadeiramente viver minha vida para Vós. Mas muitas vezes sou tíbio. Reacende em mim o fogo, dai-me alegria, dai-me amor ao serviço, amor pela física, amor ao próximo. Ajuda-me a olhar para Vós, ó Jesus, e ver em Vós o modelo, não em pessoas humanas que possuem bem e mal misturados, o que nos leva a ficar tíbios no ataque ao mal que existe em nós. Me proponho a Vos servir, ó Senhor, mas tende misericórdia de mim, pois sou falho e pecador.

Que, com a Virgem humilíssima, que reina sobre todos os bem-aventurados, eu possa caminhar pelos Vossos caminhos, ó Jesus. Louvado seja o Vosso Santo nome pelos séculos dos séculos.



Parábola das moedas de prata








domingo, 1 de novembro de 2020

31ª Semana do Tempo Comum - Todos os Fiéis Defuntos - Segunda-Feira - 02/11

Is 25,6a.7-9, Sl 26, 1Jo 3,1-2, Jo 6,37-40

A data de finados sempre foi, pra mim especificamente, muito significativa. Desde pequeno, conheço de certo modo a morte, e sua aura misteriosa sempre pairou sobre minha vida, em virtude de minha circunstância real de órfão de pai, levado para a Eternidade por um morte violenta. Lembro-me de minha infância, do quanto era comum que, nas vizinhanças da data de Finados, limpássemos o pretíssimo mármore do túmulo de meu pai (e avô) com flanelas, buchas e querosene. Eu e minha mãe passeávamos pelos túmulos, calculando a idade na qual as pessoas haviam morrido, enquanto ela falava a respeito de parentes passados, subitamente revividos na memória dela em virtude do estímulo visual da plaquinha dos jazigos.
O silêncio literalmente sepulcral dos cemitérios é um convite quase que irresistível à meditação. A percepção de se estar cercado de mortos, idem. Hoje, vivemos em uma sociedade ultra-moderna e ultra-artificial, onde existem pessoas que passam por este mundo sem ver um parto ou uma pessoa morta. Há muito ruído, muito barulho, muitas distrações, muitas coisas que levam para fora, num frenesi absorvente, mas não pra cima, pra dimensão das verdades eternas que devem ser meditadas por todo humano que deseje levar uma vida refletida. Uma vida que não é refletida, dizia Sócrates, não vale a pena ser vivida. E a vida é, se tomada em sua realidade mais radical, limitada pela morte. A morte coloca um ponto final em tudo que conhecemos. Em algum momento, nosso corpo parará de funcionar, e nem a pessoa que mais nos ama suportará ficar ao lado de nosso corpo quando a putrefação iniciar. O cadáver será enterrado, esquecido numa tumba, para ser comido pelas bactérias que moram dentro de nosso corpo. Após alguns anos, nosso corpo se converterá em ossada, irreconhecível, tão mineral quanto uma pedra. 
Diante daquele que é o pai de todos os mistérios, o homem se pergunta: o que acontece conosco após a morte? Viemos à existência em algum momento, e existe um limite no quanto conseguimos "ir pra trás" em nossas memórias. Seria legítimo se perguntar: se viemos a existência, nos percebendo como pessoas humanas, será que um dia sairemos da existência, voltando ao sono profundo e sem sonhos que é como percebemos o nosso "pré-eu"? Vamos para o "eternal oblivon", o esquecimento eterno que torna fútil e inútil o "como" vivemos aqui neste mundo? As sensibilidades são muitas, e há pessoas que nunca se inquietaram com esta pergunta, mas foi ela que me surgiu quando presenciei o velório e o enterro de minha avó, naquele dia 26/01/2015.

Ela já havia surgido antes, é claro, mas as buscas mundanas ainda conseguiam acalmar minha consciência filosófica, me distraindo com a multiplicidade absorvente típica dos cientistas agnósticos. Haviam me dito que eu precisava de certas coisas para ser feliz, e eu não as tinha. Em algum momento, eu as fui obtendo, mas quanto mais eu obtia tais coisas, mais coisas me pareciam necessárias para que eu tivesse um mínimo de felicidade. Sou um sujeito melancólico, sempre fui, e o "buscar" parecia mais felicitante do que o "fruir", pois aquilo que era fruído era percebido como tal, ou seja, como a futilidade que era. Eu estava me tornando o que eu desejava me tornar, mas era justamente ali que eu me sentia mais infeliz. Eu sentia dores de barriga, provenientes da Sindrome do Intestino Irritável que me acometeria por cinco longos anos (só foi curada nesse 2020), o que contribuía para o meu mau humor. Eu não tive força moral para abandonar minhas férias relaxantes para passar a noite com minha avó no hospital. E la estava minha avó morta, prestes a ser jogada num túmulo escuro e solitário, onde já repousavam os ossos de meu avô materno. 

Se a consciência do "eu" acaba na morte, então que diferença faz o que eu faço e o que eu deixo de fazer? Que diferença faz trabalhar ou ser vagabundo? Que diferença faz ser bom ou ser mau? Que diferença faz morrer de velho ou se matar na juventude? Que diferença faz ser um abstêmio ou um drogado? Que diferença faz ter 50 de braço ou 25? "Vanitas vanitarum et omnia vanitas", já dizia o Eclesiastes. Numa vida sem sentido, tudo é vaidade.

É a morte que me colocou diante da questão que inquietou muitos, desde Machado de Assis até Albert Camus. "O homem diante da morte". Camus responde que a única resposta honesta ao absurdo da existência humana é a "revolta". Eu não sabia disso, mas me revoltei. Busquei respostas. Busquei no espiritismo, "religião" da pessoa que eu mais respeitava no mundo, e só encontrei mentiras. Fui estudar a velha religião piegas de minha pobre mãe (que na verdade era a única verdadeiramente rica nesta história toda), na qual eu havia sido criado, e nela encontrei um tesouro. A Santa Igreja Católica dizia: "o homem é capaz de Deus". A equipe de um padre católico, Padre Paulo Ricardo, dizia: "ou Deus existe, ou a vida é um absurdo, tertium non datur". Como aquele tesouro nunca havia sido a mim apresentado, eu que supostamente era catequizado e crismado? "Extra Ecclesia Nulla Sallus". Eu precisava de salvação, mas não sabia se aquela velha religião poderia me dizer algo a respeito dela. Eu precisava de um sentido para não cair na revolta amarga e desesperada diante da vida. Mas eu não queria uma solução falsa, um panaceia que acalmasse minha consciência e me fizesse seguir em frente, na direção de um objetivo tão falso e fútil quanto todos os outros. 

Dixit Pascal: 

« — Examinons donc ce point, et disons : « Dieu est, ou il n'est pas. » Mais de quel côté pencherons-nous ? La raison n'y peut rien déterminer : il y a un chaos infini qui nous sépare. Il se joue un jeu, à l'extrémité de cette distance infinie, où il arrivera croix ou pile. Que gagerez-vous ? Par raison, vous ne pouvez faire ni l'un ni l'autre; par raison, vous ne pouvez défaire nul des deux. Ne blâmez donc pas de fausseté ceux qui ont pris un choix ; car vous n'en savez rien. — Non ; mais je les blâmerai d'avoir fait, non ce choix, mais un choix; car, encore que celui qui prend croix et l'autre soient en pareille faute, ils sont tous deux en faute : le juste est de ne point parier. — Oui, mais il faut parier ; cela n'est pas volontaire, vous êtes embarqué. Lequel prendrez-vous donc ? Voyons. Puisqu'il faut choisir, voyons ce qui vous intéresse le moins. (...). Votre raison n'est pas plus blessée, en choisissant l'un que l'autre, puisqu'il faut nécessairement choisir. Voilà un point vidé. Mais votre béatitude ? Pesons le gain et la perte, en prenant croix que Dieu est. Estimons ces deux cas : si vous gagnez, vous gagnez tout; si vous perdez, vous ne perdez rien. Gagez donc qu'il est, sans hésiter. »

— Blaise Pascal

Pensées, fragment 397.

Em bom português: é necessário apostar tudo na fé, mesmo sem certeza, pois se se está certo, se ganha tudo, se se está errado, não faz nenhuma diferença, pois todos os caminhos levam ao Nada. E nenhuma religião se demonstrou tão verossímil quanto o catolicismo. Fiz a aposta de Pascal. Foi a morte a isca que Deus utilizou para derramar Sua graça em minha vida. Foram os terços e as músicas piedosas cantadas diante do cadavérico resto mortal de minha avó que tocaram o meu coração, dizendo o que pela razão eu não podia ainda entender. Fui colocado diante do mistério, e apostei todas as minhas fichas nele. E, pouco a pouco, buscando viver na graça, buscando viver esta fé tão antiga e tão nova, Deus me mostrou a unidade na multiplicidade, e o próprio Cristo se demonstrou a razoabilidade e o sentido arquetípico de uma vida outrora irrazoável, absurda e arbitrária.

A morte é, como mistério, o pai de todos eles. Mas é um mistério de sombras que é iluminado pela Luz de Cristo. É um mistério que, se se olha do modo correto, coloca o homem diante da pergunta mais importante de sua vida: "o que eu devo fazer de minha vida?". E quem mais poderia responde-la, senão o próprio Deus feito homem que passou pela morte e a venceu, ressuscitando no Terceiro Dia? Quem mais? 

Sem mais panaceias, meu povo. Sem falsas soluções. Sem sentidos sem-sentido, como "quero deixar um legado", "quero fazer um mundo melhor", ou ainda o "quero ter boas experiências" ou "quero ser feliz". Tudo isso é palha sob o vento, tudo isso é gota d'agua perante sol forte, tudo isso é monte de poeira perante redemoinho. Coloquemo-nos diante da morte, como homens de verdade. Encaremos a morte de frente, e vivamos com ela em nossa perspectiva. Encaremos o fato de que, como diria C.S Lewis, "a vida só tem sentido se este se encontrar pra além dela". Este sentido existe? Existe: e Cristo deixou Sua Igreja para nos ensinar a caminhar até ele. Que tenhamos coragem de abandonar todas as vaidades, vivendo em função deste destino, que buscar "ser santo como o Pai Celeste é santo", para que possamos, ao fim da vida, dizer: "Senhor, combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé". E Ele enxugará todas as nossas lágrimas, e nossa alegria será plena.


 Que esse dia de Finados nos leve a refletir sobre a morte. E que, neste mês, possamos rezar pelas almas do purgatório, que encontraram este sentido mas não viveram pra ele com a radicalidade necessária. Que Deus seja louvado per omnia secula seculorum.

Cemitério de São Carlos











Batismo do Senhor - 09/01/2022

Is 42,1-4,6-7 Sl 28: " Que o Senhor abençoe, com a paz, o seu povo" At 10, 34-38 Lc 3, 15-16,21-22 Começamos com uma leitura do pr...