quinta-feira, 30 de abril de 2020

Quinta-Feira da Terceira Semana de Páscoa - 30/04


At 8, 26-40 ; Sl 55, Jo 6, 44-51

A primeira leitura nos fala da impossibilidade de se interpretar a Escritura por conta própria, segundo as palavras do eunuco etíope. A fé correta se torna, se se parte desse axioma, apenas uma possibilidade dentre uma miríade delas. A Igreja nos ensina a interpretar a Escritura, pois o espírito dela é o Espírito Santo. Muito se vê protestantes dizendo que é o Espírito Santo que os auxilia a entender as Escrituras. Não duvido que isso possa acontecer em alguma escala, mas a ação Dele, que é sutil, se confunde com as próprias convicções prévias do crente e também com seus vícios, que o levam a interpretar o que ele lê de modo conivente com seus (maus) hábitos. Se algum protestante conseguisse entender a Bíblia realmente no Espírito Santo, ele se converteria a Igreja Católica, "Igreja" por antonomásia, que se identifica plenamente com o Corpo Místico, cuja cabeça é o próprio Cristo. Conduzidos a Igreja em virtude do Espírito que procede do Pai e do Filho, e arrependendo-nos de nosso pecados, somos convidados a comer o Pão da Vida, que, como o maná, foi feito para nos alimentar diariamente na nossa jornada, mas não nosso corpo, mas nossa alma.

Uma vivência verdadeira da fé em que se crê precisa estar intimamente ligada com o amor a Eucaristia. Se não há essa vontade intensa de comungar, é necessário repensar nossos atos, nossa vida. E eu percebo que, em mim, a comodidade de ficar enfurnado dentro de casa "protegido" do coronavirus está sobrepujando meu desejo de comungar com frequência. Percebi que é possível comungar, até é possível assistir missas, mas a inércia, a acédia que sempre me ataca e que me faz desanimar do bem que se apresenta a mim, me coloca pra baixo. Senhor, tende misericórdia de mim! Aumentai meu amor por Vós! Eu creio, eu sei que só em Vós se encontra a Salvação, e eu sei também que, sem o Pão Nosso de Cada Dia, o Pão Vivo que desceu dos céus, dificilmente eu conseguirei viver retamente todos os dias, dificilmente conseguirei viver feliz e alimentado espiritualmente de modo a agir cada vez mais de acordo com vossa Vontade. Estou a quase dois meses sem comungar e me acostumei com essa miséria! Senhor, ajuda-me a desejar a Santa Eucaristia. Ajuda-me a amar-Vos, pois quem ama quer estar perto! Não deixei que eu Vos despreze, Senhor, Vós, que sois infinito mas que Vos humilhastes primeiro se fazendo homem, e depois se escondendo sob as espécies de pão e vinho.

Eu creio Senhor, mas aumentai minha fé.
Louvado seja o Vosso Santo Nome para sempre.




Filipe e o Eunuco - tive que pregar uma imagem protestante, porque pouco sentido fazem as imagens que vi, de um eunuco barbudo...

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Quarta-Feira da Terceira Semana de Páscoa - 29/04

At 8,1b-8 , Sl 65, Jo 6, 35-40

Jesus Cristo é o Pão da Vida, e promete que quem vai até Ele não terá mais fome nem mais sede. Fome e sede de que? É evidente que necessidades físicas existem pra cristãos e pagãos, pra católicos e ateus. Não é dessa fome que Cristo fala, é da fome de Deus. Dizia alguém que não sei quem que temos um buraco infinito no nosso coração, uma sede infinita que apenas Deus pode preencher. Nós nos percebemos como necessitados, como insuficientes perante a realidade, como carentes de algo que dê sentido a vida cotidiana. Em geral, percebemos (se vivemos uma vida "boa") a vida humana como um bem e as nossas alegrias como sinceras, e de fato elas o são, mas deixam de sê-lo quando olhamos de frente o sentido de tudo isso. Toda doçura da vida se reveste de amargor, toda a luz do sol como que é obnubilada por uma cortina de densa fumaça preta. A vida é um bem, mas somos maus e rumamos para o negro mistério da morte. Todos morreremos. Há algo pra além? Pela fé esse enigma é respondido em Jesus Cristo. Ele promete a Vida a quem ir até Ele, e estes não terão fome nem sede. A Vida que Cristo promete é a vida eterna, é a Vida com "V" maiúsculo que consiste na contemplação, na união de amor com Deus, Sumo Bem. Cristo é a resposta, mas tantas vezes o vemos como apenas uma muleta pra conseguir viver com certa paz de espírito as alegrias do mundo aqui! Cristo é o Pão Vivo que se entrega por nós na Eucaristia, e nós, agora afastados da mesma pela pandemia (isso está se mostrando contornável e acho que em breve comungarei de novo: Deus seja louvado!), não a desejamos ardentemente como deveríamos. Senhor, eu vos reconheço como Pão da Vida, como meu Salvador, mas aumentai a minha fé! Aumentei meu amor por Vós! Fazei com que eu ame a Sagrada Comunhão acima de tudo, pois lá se encontra Vós, Deus, a quem devemos amar sobre todas as coisas! Eu quero Vos amar, Senhor, jogue fora esse meu maldito coração de pedra e me dê um coração de carne, que pulse cheio de vida, palpitando por Vós!

É vivendo nesse amor que eu poderei ser eu mesmo, poderei ser aquilo que eu fui feito pra ser. Sou filho de Deus, filho no Filho, pelo batismo. Eu nasci pra amar. Ajuda-me a amar, Senhor, ajude-me primeiro a ama-Lo para que depois, com minhas palavras, meu trabalho e minha vida, eu possa anuncia-Lo do modo que Vós mereceis, não por minhas forças, mas sendo dócil a ao Deus que quer agir por meio de nós. Ó Santíssima Virgem, esposa do Espírito Santificador, rogai a Deus por nós que recorremos a vós!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.



Saulo vê e aprova o martírio de Estevão


terça-feira, 28 de abril de 2020

Terça-Feira da Terceira Semana da Páscoa - 28/04

At 7,51-8,1a, Sl 30, Jo 6,30-35

No Evangelho de hoje, Jesus Cristo anuncia a Si mesmo como o pão do céu, o verdadeiro maná, que mata a fome e a sede que nós temos, essa sede de infinito, essa sede de sentido, essa sede de algo que nos eleve, que nos aprimore, que nos purifique, que nos santifique, enfim, que nos ensine a amar e que perdoe nossos pecados, de modo que os abandonemos. Aqui, Ele fala do seguimento Dele, do "vir" até Ele e "crer" Nele. O crer em Jesus, apesar de aparecer depois no texto, é prévio ao "ir" até Ele. Crer nele significa crer em tudo aquilo que Ele ensinou, que nos revela a face de Deus, um Deus amoroso que quer nos salvar e que deu seu Filho Único e amado para nossa salvação, nós, inimigos de Deus, que chafurdávamos no pecado! E como eu sei o que Cristo ensinou? Basta ler a Bíblia? Basta ler os Evangelhos? Não basta, porque a Sagrada Escritura em partes é doutrinal mas em partes é "literária", não no sentido de ser ficcional, mas no sentido de ser uma história contada, narrada. De uma história contada, da história de uma vida, ainda que seja a Vida de Deus feito carne, pode-se retirar inúmeras interpretações, interpretações essas que podem e provavelmente serão condicionadas pelo o que tem em nossa cabeça. Isso não vale pras afirmações "doutrinais" (ex: os anátemas de São Paulo, a condenação do adultério por parte de Cristo, etc), mas vale pra tudo aquilo que é narrativo. Como saber exatamente como era o culto divino apenas pela Sagrada Escritura? Isso, como deveria ser o cerne da própria vivência da fé ensinada pessoalmente pelos apóstolos (e depois pelos seus sucessores, os bispos), nem sequer é narrado na Sagrada Escritura. O conteúdo das epístolas paulinas, por exemplo, é essencialmente formativo, ele não fala do rito, de como se deve cultuar a Deus, porque quanto a isso aparentemente não haviam dúvidas. Mas como saber, de fato? Bom, aí é que está a coisa. O que está dito na Sagrada Escritura deve ser lido dentro de um certo espírito, que no final das contas é O Espírito Santo, que vivifica sua Igreja. E podemos saber como a fé era vivida por meio da tradição, que vem desde os apóstolos, ensinada e vivida na Igreja e, posteriormente, catalogada também em escritos. Também podemos conhecer nossa fé vendo aquilo que é o consenso de todos os primeiros escritores cristãos, que, diante de objeções, esclareciam e afirmavam pontos daquilo que Jesus havia ensinado e que havia passado através dos apóstolos. Além disso, há o magistério, "encarnação" dessa missão de "ide e ensinai" dada por Cristo aos apóstolos, que decidiu solenemente inúmeras vezes no que se deve crer e no que, por consequência, no que não se pode crer. Esse é o único critério seguro de se entender plenamente aquilo que está revelado na Sagrada Escritura, que é infalível, porém não contém tudo, não contém em si mesma a chave de sua interpretação. Isso porque a Sagrada Escritura é filha da Igreja e deve ser lida no espírito da mesma! A Escritura lida a luz da fé correta (leia o catecismo!) e em obediência a Santa Igreja nos leva a verdade, nos leva, justamente, a aquilo que Jesus ensinou, mostrando-nos a face de Deus, fazendo com que possamos conhece-Lo e ama-Lo.
A segunda parte do Evangelho fala de "ir até Ele". Isso pode-se entender de vários modos, mas, no contexto do Pão da Vida, título que Ele dá a si mesmo (porque de fato Ele o É), podemos pensar no contexto Eucarístico. Cristo está efetivamente, em toda sua grandeza, majestade, Divindade e humanidade, na sagrada Eucaristia. O conhecer a fé, o rezar e se colocar diante de Deus, enfim, o amor a Deus desenvolvido na oração, deve nos impelir a uma união mais íntima com Cristo, de modo a efetivamente toca-Lo, de modo a efetivamente nos encontrarmos com Ele fisicamente, adorando-O e recebendo-O como Pão da Vida, que nos vivifica, nos santifica, nos purifica e nos fortalece para que nossa fé já recebida, a semente que caiu na terra, não feneça, não desapareça por debaixo dos espinheiros que a cobrem e a impedem de sobreviver, pois a luz do sol não chega até ela. A oração na fé correta nos mostra a face de Deus, conhecendo a face de Deus, buscamos recebe-Lo fisicamente em nosso coração, e recebendo-O, nossa fé é vivificada e conseguimos vive-la em nosso dia a dia, em nossa circunstância, de um modo agradável a Deus se formos dóceis a Ele. A fé (crer) leva a Eucaristia (receber (a Ele)) e a oração (que mantém "vivos" os efeitos da Eucaristia) e essas duas vivificam a fé, fortalecem-na contra os erros do mundo e a iluminam, de modo que ela possa ser vivida em nossa vida de um modo mais condizente com a Vontade de Deus. De fé em fé, de ato de amor em ato de amor, podemos chegar um dia a ser santos, perante a ação do Espírito Santo que santifica, agindo em todos aqueles que buscam agradar a Deus, negando a si mesmos com sinceridade e sem reservas.

Que, de fé em fé, rezando e buscando os sacramentos, possamos crescer no cumprimento da Vontade de Deus de modo que, como Santo Estevão, possamos, no momento de nossa morte, estar plenamente configurados a Cristo. Ajuda-nos, Senhor, a vivermos de modo a vê-Lo, no fim de nossa vida, em Sua Glória, sentado a direita do Pai!

Entrego, por fim, minha vida ao Senhor por meio da Santíssima Virgem, obra prima da criação, superior a todos os santos por ter participado do Mistério de Cristo não na ordem da graça, mas da união hipostática. Maria formou o próprio Deus em seu ventre. Ajuda-nos, ó mãe, a gerar também Cristo em nossos corações. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!






Martírio de Santo Estevão

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Segunda-Feira da Terceira Semana da Páscoa - 27/04



At 6,8-15 , Sl 118,23-30 , Jo 6,22-29

O Evangelho de hoje fala dos homens que saíram a buscar Jesus depois de terem sido saciados por Ele por meio da multiplicação dos pães e peixes. Jesus diz que eles não O buscam pelos motivos corretos, procurando-O porque "foram saciados". A multiplicação dos pães, para eles, era análoga ao maná que caia do céu para os israelitas do deserto, e a figura desse alimento, dessa "subsistência" diária, sintetiza aquilo que eles esperavam de Cristo: o "maná" é símbolo daquele alimento e segurança de cada dia que proporciona uma "vida feliz" e tranquila. Ora, mas com que fim? Cristo diz, não nessa passagem mas em outra, que devemos "buscar primeiro o Reino de Deus e que tudo o mais virá por acréscimo". Desse modo, o "maná" que ele promete a quem buscar primeiro o Reino de Deus é justamente para que, tendo as necessidades humanas satisfeitas, possamos colocar tudo o que somos e "temos" diante Dele. É por isso que Ele repreende aqueles homens, dizendo que eles devem buscar fazer a vontade de Deus, crendo Nele, que se manifesta por meio de Cristo. Todos nossos talentos, toda nossa saúde, todos os nossos bens materiais, tudo deve ser utilizado para que a vontade de Deus se cumpra no mundo, para que o "Reino de Deus" possa começar a frutificar já aqui, nesse mundo. Somos chamados a ser sal da terra e luz do mundo, e, colocando-nos diante de Cristo, devemos buscar julgar tudo de acordo com a reta razão fundada Nele para que tomemos sempre as atitudes corretas. Devemos nos acalmar, silenciar, pensar para agir, e pedir a Deus que nos ajude antes de dizermos qualquer coisa que seja. É um perigo o agir reativo, pois daí Aquele mesmo que é nosso fim último acaba ficando esquecido na motivação pra nossa atitude, que então se funda em impulsos reativos, quase que animais. Devemos, por meio da oração e da ascese, domar esse cavalo que é nosso corpo, nossos impulsos desordenados, e, desse modo, tudo ordenar para a maior Glória de Nosso Senhor. Assim, "donos de nós mesmos", donos por sermos filhos do Dono, podemos livremente colocar tudo o que temos diante de Deus e também entregar-nos a nós mesmos para o bem dos irmãos, o que é justamente o amor ao próximo. Isso não é humano, nós tomamos iniciativa, mas Deus age em nós e nos santifica. Cremos nisso? Cremos nisso verdadeiramente? Se não cremos, devemos crer. Que, como Santo Estevão, possamos dar testemunho de Cristo, sem medo, sem respeito humano, de modo que a nossa vida se assemelhe tanto com a de Nosso Senhor que todo homem de boa vontade que ainda não conhece a Cristo possa vê-Lo em nós de modo que assim, veja uma luz para sua vida.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.





Cristo e o Tiberíades

domingo, 26 de abril de 2020

3° Domingo de Páscoa - 26/04

At 2,14.22-33, Sl 15 , 1Pd 1,17-21 , Lc 24,13-35

Nesse 3° domingo do tempo pascal, meditamos no fato de que, para haver ressurreição, precisa haver paixão. A primeira leitura, que é a leitura dos Atos dos Apóstolos, conta como foi a pregação de São Pedro da manhã de Pentecostes. Ele mostrou que Cristo, que falava com autoridade, foi entregue as mãos dos sacerdotes e dos mestres da Lei para que Ele fosse crucificado. Aqui vem o primeiro fato: tudo isso era desígnio de Deus. Cristo veio ao mundo, sim, para trazer uma mensagem, para ensinar, para dizer como deveríamos viver (e depois para, iluminando nossa mente, nosso coração de pedra se tornasse um coração de carne, capaz de obedecer os mandamentos por amor, não por medo), mas principalmente, Cristo veio ao mundo para morrer na cruz. Ele é o Filho Eterno de Deus Pai, Deus como o Pai, e Ele veio ao mundo para morrer por nós, pelos nossos pecados. Ele precisava fazer isso? Ele não poderia apagar nossos pecados num simples ato de Sua onipotência, sem precisar assumir essa nossa natureza? Claro que poderia. Mas o que Ele estaria nos ensinando? Cristo, deixando-se livremente morrer na cruz, mostrou-nos como amar. Amor é sacrifício, amor é livre entrega de si, e que amor maior, que entrega maior, do que dar da vida pelos seus? Se Deus tivesse nos perdoado num simples estalar de dedos, pecaríamos novamente e morreríamos sem nos arrepender. A paixão de Cristo é redentora não só porque ela "aplaca" a ira de Deus, mas porque, usando a nossa própria humanidade fraca e imperfeita como ferramenta, amou a Deus como Ele merece e amou a todos nós como nós não merecemos, mostrando-nos, ainda por cima, como devemos amar. Amor é o dom livre de si. Como saberíamos disso? Ele poderia ter dito isso de modo direto, mas certamente não entenderíamos isso tão bem quanto podemos entender meditando os profundos mistérios da cruz, o mistério da Paixão, o mistério do próprio Deus, o Puro, que Se entrega em holocausto, sacerdote e vítima, para a salvação daqueles que eram seus inimigos. Que ato sublime de amor! São Pedro, entretanto, afirma a ressurreição, vista com seus próprios olhos e predita pro Davi, antepassado de José, pai adotivo de Jesus: "vosso amigo não conhecerá a corrupção". Deus, para dar testemunho de seu poder, ressuscita Jesus dos mortos, e Jesus ganha um corpo glorioso, ressuscitado, vencendo a morte e dando testemunho de que aqueles que Nele crerem ganharão a vida eterna. É isso! Cristo veio, morreu na cruz por nós, e, convidando-nos a nos unir no sacrifício da cruz com Ele (carregue vossa cruz e me siga), nos promete a Vida Eterna, não vida, mas Vida, Vida absolutamente feliz, em união com Deus, Sumo Bem, nosso Princípio Primeiro e nosso Fim Último, do qual, em Cristo, podemos ser novamente amigos.

A segunda leitura e o Salmo falam de coisas semelhantes. O Salmo é o Salmo de Davi que diz que "seu amigo não conhecerá a corrupção". A segunda leitura, da carta de São Pedro, também fala de Cristo como cordeiro sem mancha que se entrega por nós e é ressuscitado, ressurreição essa que é testemunho da parte de Deus mesmo que tudo quanto Cristo disse é verdade e que Ele de fato é Filho de Deus, conatural ao Pai, dos Quais procede o Espírito Santo, Amor Eterno entre o Pai gerador e o Filho gerado.
O Evangelho é o dos discípulos de Emaús. "Como ardia nosso coração quando ele estava conosco". Essa é a passagem favorita da minha esposa, e eu entendo o porquê: como aquece o coração a esperança dada por Cristo, a luz que Sua Palavra joga em nossas mentes! Como aquece nosso coração pensar em receber o Cristo Sacramentado, que se faz pão por amor a nós, para que, estando com Ele, possamos "aquecer nossos corações" de modo a abandonar essa preguiça que faz com que desanimemos do bem!

Os discípulos de Emaús voltavam de Jerusalém entristecidos. Aquele em quem confiavam a libertação foi morto e sepultado. Acabaram-se as esperanças, e o testemunho das mulheres, para eles, não havia sido suficiente. Cristo, então, se colocando ao lado deles, diz que eles "são sem inteligência e lentos para crer". No original grego, segundo Padre Paulo, se diz "lentos de coração". Se trata aqui de duas das quatro feridas que o pecado deixou em nós, que nos torna desordenados. São as feridas na inteligência (quem peca ou se agita com muitas coisas, fugindo daquilo que deve ser feito, que é o bem pois é vontade de Deus para nós, se torna burro, desconcentrado, grosseiro, sem capacidade de fazer as retas distinções) e na vontade (que se torna arredia a inteligência ainda que essa saiba o que é o bem, preferindo obedecer aos apetites sensíveis). Cristo, aquecendo o coração deles e iluminando suas mentes, mostra que a Palavra de Deus é antídoto pra tudo isso. Quando nos colocamos diante de Deus com docilidade, a escuta da Verdade, meditando e buscando viver isso em nossa vida, a Graça age (de graça!) em nós e nos purifica, iluminando a nossa inteligência e convidando a nossa vontade. A Palavra de Deus é alimento diário, é a meditação no mistério mesmo de Cristo, do Deus que por amor vem ao mundo pra nos salvar. Ao fim da explicação, Cristo vai com eles para o povoado e parte o pão na frente deles. Esse é o gesto próprio do Cristo, o partir o pão. Ele, fazendo isso, abre os olhos dos discípulos, que finalmente reconhecem que quem está com eles é Aquele que É, e desaparece. Fica o pão partido, que é o "Seu Corpo, que será entregue por vós". A Palavra nos conduz a Eucaristia, onde podemos, com a inteligência iluminada e a vontade convidada, receber o próprio Cristo em nosso coração. A Eucaristia alimenta, fortalece a vontade, purifica a inteligência fazendo com que a Palavra nos conforme mais ainda a Cristo, enfim, nos coloca numa união íntima com Cristo, a mesma união dos grandes santos.

Depois desse maná sagrado, que alimenta não o corpo, mas a alma, conduzindo-nos a Vida Eterna, os discípulos de Emáus diligentemente vão a Jerusalém para anunciar que haviam visto o Senhor. É o terceiro passo: a escuta da Palavra nos conduz a intimidade com Cristo, que, por sua vez, nos impele a pregação da esperança no Deus vivo que em nós fez maravilhas. Acabou-se o desânimo, foi-se a preguiça, e, noite adentro, saíram aqueles dois homens, provavelmente subindo ladeiras e enfrentando perigos para anunciar o quanto antes aquilo que lhes fora relevado. Cristo vive, Cristo vence!

Nós, sem a Eucaristia por enquanto (talvez seja, quem sabe, hora de procurar saber como posso receber a Eucaristia fora da missa, tendo em vista que o Bispo disse que isso deveria ser feito aos fiéis que desejassem), nos alimentamos com a Palavra, que nos impele ao desejo dessa mesma Eucaristia. Esse desejo profundo, embora inferior a receber a Eucaristia mesma, é salutar e também nos alimenta. Sem esse alimento, sem essa transformação, sem essa 'metanoia', é impossível que haja qualquer êxito no nosso testemunho de fé. Esse testemunho é testemunho de vida e de palavra, não de uma vida ordenada meramente humana, mas de Vida Divina em nós, coisa que não podemos fazer com nossas próprias forças. Exige docilidade. E a palavra que devemos proclamar não é nossa, mas precisa estar enraizada na Palavra que é o próprio Cristo, Verbo Eterno que sustenta tudo que existe, Alpha e Ômega, Caminho, Verdade e Vida. Que, meditando na sua Palavra, conheçamos o Caminho, para que, buscando estar intimamente ligados à Verdade em Pessoa, que ilumina a inteligência, convida a vontade, possamos viver uma Vida divina e anuncia-la a todos, por atitudes e ensinamentos, vivendo com amor amor e com santidade.
Nessa semana eu buscarei fazer comunhão espiritual todos os dias. A Palavra nos convida a desejar, que desejemos receber o Cristo. Que essa resposta de amor a quem "nos amou por primeiro" me purifique e me leve pra mais perto de Deus. E que, vivendo assim, eu possa dar um testemunho melhor de "vontade ordenada", colocando todos os meus atos a luz do amor de Cristo. Que eu não aja de acordo com meus desejos desordenados, Senhor, mas de acordo com Teu Amor e com Tua Justiça. Ajuda-me a não agir mais reativamente, mas colocar tudo sob a Vossa Luz para que nada de mau seja feito por mim.
Enfim, essa é a minha meditação de domingo. Que o Senhor Jesus Cristo seja louvado pelos séculos dos séculos. Amém.
Discípulos de Emaús e Jesus Cristo

sábado, 25 de abril de 2020

Sábado da Segunda Semana de Páscoa - 25/04

1Pd 5,5b-14,Sl 88,Mc 16,15-20 

Hoje é meu aniversário de batismo e também dia de São Marcos Evangelista. Ora, esse é o primeiro ano no qual eu faço memória do dia em que fui batizado. Nunca havia antes percebido que esse dia era dia de São Marcos! Acho que agora eu oficialmente posso dizer que tenho um santo padroeiro: eu fui batizado no dia do evangelista que foi chamado "filho" por São Pedro, o primeiro vigário de Cristo na terra! Isso me anima a ler o Evangelho de São Marcos mais uma vez, com mais cuidado. É um bom modo de comemorar essa data.

Temos uma carta de São Pedro na primeira leitura. É de uma riqueza extraordinária. A mensagem é de que sejamos humildes, sóbrios, vigilantes e que suportemos as provações na fé de que Jesus Cristo transforma, em nós, toda dor em amor, todo sofrimento por causa Dele em justificação. E o quanto era grande a fé dos apóstolos e dos primeiros cristãos! O Espírito Santo desceu sobre eles em Pentecostes e eles passaram por uma "segunda" conversão extraordinária. Cristo disse, no trecho final do Evangelho de São Marcos, que é relativo a leitura do dia, que "Os sinais que acompanharão aqueles que crerem serão estes: expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal não lhes fará mal algum; quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados”. O quanto devia ser grande a fé dos apóstolos, o quanto a mão de Deus agia neles, porque eles faziam tudo isso e, no fim de suas vidas, todos, com exceção de São João que foi preservado, beberam "o cálice que vós não podeis beber agora, mas beberão depois". Todos foram mártires. E isso não vale só para os apóstolos, vale também para os discípulos dos apóstolos, como São Marcos. 

Esses homens se entregaram ao martírio pela fé em Jesus Cristo. Alguns o viram, outros, como São Marcos, não viram Cristo ressuscitado, mas creram ao ponto do martírio ainda assim, creram numa época onde a Igreja podia parecer muito bem um bando de loucos pra quem não os olhasse com boa vontade (apesar dos sinais, que, como sabemos, muitos simplesmente ignoram por petição de princípio).
Todos somos chamados a sermos mártires. Em que sentido? Pode ser que isso mude no futuro, mas hoje em dia parece que, ao menos no Brasil, ninguém está sendo morto pela fé. Mas é preciso que sejamos mártires pelo menos "secundum quid", sob certo aspecto, pois isso está na essência da santidade. Precisamos saber deixar de lado tudo aquilo que está em nós que nos afasta de Deus. É matar o amor-próprio e se colocar abaixo dos demais, como servo. É buscar dar a outra face, sofrendo por Cristo, não entrando em uma briga para defender a si mesmo. É amar até aqueles que professam o erro, rezando para que esse erro seja abandonado. É "arrancar os olhos" se eles te levam ao pecado, buscando romper violentamente, deixar morrer, tudo aquilo que impede uma entrega verdadeira ao Senhor.
Tão sublimes, ó Senhor, são Tuas palavras. Só Tu tens palavras de Vida Eterna! Ajuda-me, como ajudaste a São Marcos, a buscar conhecer teu coração, a morrer para o pecado e para o mundo e a nascer para Vós, para Vos encontrardes na Vida Eterna. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo e, São Marcos, rogai por nós.



São Marcos

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Sexta-Feira da Segunda Semana de Páscoa - 24/04

Estamos no tempo pascal, mas não há leituras o suficiente para que se leiam apenas trechos pós-ressurreição nos dias feriais. Estamos, então, andando pelo Evangelho de São João. E o episódio que é narrado no Evangelho de hoje é o da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa sexta-feira, que é um dia penitencial, mas nesse tempo, que é um tempo de festa, quero me colocar diante de Senhor para que ele me purifique, de modo que a penitência (leve, não nego) de hoje me faça perceber que só Nele há esperança e que tudo aquilo em mim que ainda não morreu e ressuscitou com Ele deve faze-lo.

O Evangelho de hoje mostra um pouco daquela que é a face de Jesus Cristo. Aquela multidão, homens e mulheres comuns, deixando suas casas e seu relativo conforto (nada comparado ao que temos hoje, mas melhor que a relva do campo) para seguir Jesus debaixo do sol quente. Estavam cansados, famintos e distantes de suas casas, de modo que, se voltassem, poderiam desmaiar de fome. E Jesus Cristo se apiedou delas. É uma tendência minha muito forte achar que Cristo não "liga" para nossos sofrimentos, que Ele está lá apenas para nos julgar se não o aceitarmos bem. Mas o Evangelho mostra que Cristo teve compaixão dos famintos, ele teve compaixão dos que sofrem. E por quê? Porque Ele viveu nessa nossa carne. Ele suou, Ele sentiu sua pele queimando sob o sol dos tórridos verões de sua terra, Ele sentiu sede quando se encontrou diante da samaritana, Ele sentiu fome no deserto, quando o Diabo apareceu para tenta-lo. E Ele, acima de tudo, sentiu fome, sede, cansaço e dor extremos no sofrimento da cruz, do calvário, onde não só o sofrimento físico se fazia presente, mas também o sofrimento espiritual. O pecado mata a alma e coloca o homem como inimigo de Deus, e, assim como Cristo tomou para si nossos pecados, Ele tomou pra si a dor de ser inimigo de Deus, fazendo-se um maldito de Deus para reconciliar os verdadeiros malditos, nós, com Ele. Cristo nos conhece, Ele sabe de nossas fraquezas, Ele se compadece de nós em nossas dúvidas e em nossos sofrimentos, e, se o seguirmos, se colocarmos o seguimento Dele acima do conformismo com nossa situação indigna, saindo de nosso desesperado conforto, Ele nos alimentará com o "pão cotidiano" de sua Verdade e de sua amor, e a Sua graça nos libertará pouco a pouco dessa condição de homem decaído, gerando em nós a própria vida Dele, gerando em nós a salvação. Daí, aprenderemos a viver com o sofrimento como Ele viveu, como entrega, como oblação, como sacrifício de aroma agradável a Deus.
A Eucaristia, o Pão da Vida, é onde Cristo por excelência dá esse "pão cotidiano" que nos alimenta no dia a dia. Ali Ele se dá a Si mesmo, tomando uma condição humildíssima para nosso bem. Ali está presente toda sua divindade e humanidade, contida na fragilidade daquele pedaço de pão, daquela gota de vinho. Ele se rebaixa para se doar a nós. E nós? Queremos sair por cima da carne seca? Ou tomaremos, como Ele e com Ele, a condição de servos, para que o amor de Cristo frutifique em nós?

Que hoje eu possa me lembrar de que Cristo viveu essa nossa vida, e que Ele se compadece de nós. Tenhamos coragem de colocar nossos fardos diante Dele, humildemente pedindo a graça de morrer com Ele e ressuscitar pra uma vida Nele. E, concomitantemente, com a graça do Senhor, vivamos as pequenas provações do dia a dia, enfim, tudo que concerne nossa circunstância, como ocasião para agir com base nessa semente que brota e gera uma árvore frutífera, semente de vida, semente da graça, semente de Cristo.E amemos a Eucaristia, Cristo vivo e humilde, que nos santifica e nos mostra que devemos nos fazer servos e pequenos assim com Ele os fez.

PS: Dica do dia: sempre que a Dani te repreender, lembre-se disso e aceite a repreensão com amor. Não aja, como é de praxe, de modo ou a se explicar, ou a desqualificar o dito, ou pior, a repreender de volta com algo supostamente pior para mostrar que é superior. Lembre-se disso.





quinta-feira, 23 de abril de 2020

Quinta-Feira da Segunda Semana de Páscoa - 23/04


At 5, 27-33 ; Sl 33 , Jo 3, 31-36

A primeira leitura fala da opressão do sinédrio sobre os apóstolos, proibindo-os de pregar em nome de Jesus Cristo, e a recusa dos apóstolos em obedecer a isto, afinal eles deviam obedecer a Deus, e não aos homens. No Evangelho, São João fala, em sua linguagem mística, de que aqueles que aceitam o que Cristo disse aceitam a salvação e herdarão o céu, e aqueles que não aceitam, se manterão sob a ira de Deus.

Após o testemunho dos profetas, veio Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, homem como nós em tudo, exceto no pecado. Sua revelação, que Ele nos deu com palavras e com o próprio testemunho de Sua Morte e Ressurreição, dá uma resposta para o homem, joga uma corda para que o homem possa escalar o paredão gigantesco que se apresentava diante dele, beco sem saída, onde o homem só poderia ter como destino morrer de fome ou ser comido pelas feras. Que paredão é esse? É a insuficiência desse mundo. Na época em que veio Cristo, estava a surgir no mundo um fenômeno jamais antes visto: o ateísmo. A "pax romana" havia levado ao cume, na medida do possível, a sociedade humana, havia paz, havia uma ordem social, o imperador havia unificado sob seu poder um enorme território composto de muitos povos, havia "liberdade religiosa" (desde que essa religião não saísse muito do foro pessoal), enfim, era uma civilização que lembrava muito a de hoje (com o agravante de que hoje a revelação é vista como algo velho, antiquado e indigno de consideração!). E o vazio, a morte, a percepção da decadência, o veneno do vício, pairava no ar como um vapor negro e sutil, lembrando ao homem a incerteza de seu propósito nesse mundo e a maldade repugnante que ele, a contragosto, aprendia a amar por incapacidade de a ela resistir. É o mundo da canção do Epitáfio de Sícilo
Enquanto viveres, brilha.
De todo não te aflijas,
Pois curta é a vida
E o tempo cobra seu tributo

Esse é o mundo em que Cristo veio, dando uma resposta pro homem, que pouco a pouco tomava consciência do absurdo de sua existência e da potência inexorável do pecado, sem, entretanto, ser capaz de achar uma solução para tal. Eram como homens "abandonados" por Deus, vivendo cada dia por vez, buscando a felicidades nas coisas e na negação de sua própria condição maldita.
Entretanto, essa não era a situação dos judeus. Estes, diferentemente de todos os povos, se recusavam a colocar seu Deus no panteão, representado por uma estátua, junto com os outros "deuses". Seu Deus era um Deus ciumento, um Deus que, sendo o verdadeiro, deixava bem clara no povo eleito a consciência de que a idolatria, a "prostituição" politeísta, levava a morte da alma. Os judeus esperavam uma "libertação": os mais sábios sabiam que era dessa condição horrível de "inimigos de Deus". Outros, ainda, acreditavam que essa libertação viria através de um Messias guerreiro, que colocaria o Império Romano debaixo de seus pés e colocaria todos os povos do mundo a serviço do povo eleito, que imperaria para sempre, numa espécie de milenarismo. Os sacerdotes do templo eram diferentes. Eram na maioria saduceus, que negavam a vida após a morte, a ressurreição da carne e a fé naquilo que havia sido revelado pelos profetas. Seu interesse estava apenas na manutenção do culto perpétuo para garantir a "paz" em Israel. Apareceram então os apóstolos, como uma desconcertante mensagem de esperança, fazendo sinais e prodígios e levando o povo a conversão. Os saduceus viram aquilo como uma ameaça a 'estabilidade' que eles buscavam. Eram, no fundo, homens cansados, "velhos", que haviam desistido, que viviam um desesperado resignado, de modo parecido com os pagãos. Os apóstolos mostram que toda esperança no mundo é uma esperança desesperançada, pois tudo nesse mundo passa. E mostraram também que o desespero não era a última palavra: Cristo se encarnou, o próprio Deus se fez carne, morrendo, mostrou-nos como amar e pagou Ele o preço pelos nossos pecados, e, ressuscitando, mostrou cabalmente que ele É. Cristo é a resposta pra todas as coisas, é a resposta pra nossa vida. Quem ama a cômoda e disfarçada desesperança odeia a Cristo pois Ele incomoda. Ele age na direção de "abandonar tudo e segui-Lo". Ele abre os olhos das pessoas, mostrando que só há dois modos de se viver coerentemente com a verdade daquilo que se crê no que concerne o sentido da vida: ou se abraça a salvação que vem de Cristo, ou se vive o absurdo completo da vida humana num estado de revolta. Ora, de modo último, esse segundo jeito não é uma verdade, pois se baseia na recusa (ao menos até o convencimento) de aceitar a salvação. Quem se resigna nesse último e busca um objetivo "aqui e agora", achando que a felicidades dessa vida é "o que tem" e que não há nada melhor a se fazer do que não pensar na morte, solta a boia e se vai no náufrago, a afogar-se no desespero do fogo eterno vindouro sem nele pensar até que ele chegue. Aquele que, entretanto, vive o absurdo com sede de verdade, com sede de sentido, não vivendo o calmo desespero como os budistas nem a mentirosa "esperança imanentista" dos pagãos e saduceus, aquele que buscar a verdade até o último momento, estará, no fim das contas, buscando a Deus sem saber. E Cristo é quem responde a esses últimos. No fim das contas, só Ele é a resposta. Ou se aceita, ou se vive o desespero com consciência do absurdo (o que, se for unido a uma sede de sentido e um amor a verdade, pode ser um caminho também para Cristo), ou se vive fingindo que está tudo bem como a boca enorme do Vazio o aguarda, pronto a devora-lo no findar de sua vida terrena.
Não entro aqui no mérito da possibilidade de provar a existência de Deus pela razão ou não. É claro que é possível provar que Deus existe racionalmente. Mas como saber que esse Deus nos salvará? Como saber que Ele não criou tudo e nos deixou aqui? Como saber que Ele nos ama? Cristo é a resposta. Nele se responde tudo. E Ele é amor, e nos ajuda a amar com Ele. Ele nos convida a entregarmos tudo a Ele, pois só Ele pode dar, e Ser, o sentido de nossas vidas. Coragem! Abandonemos tudo aquilo que nos afasta da verdade, neguemos a nós mesmos e coloquemo-nos aos pés do Senhor que veio para nos salvar, ouvindo tudo que Ele diz por meio da Sagrada Escritura e da Tradição e Magistério da Igreja. Vivamos a vocação dada pelos sacramentos. Entreguemos o nosso coração a Cristo, pelas mãos de Maria, para que possamos, como a Santa Mãe, gestar o Verbo eterno em nossos corações. Não ao desespero! Cristo é esperança. Cristo é a vitória. Cristo é o sentido, nO qual tudo foi feito e para O qual tudo foi feito. Que sejamos Nele e para Ele. Louvado seja o seu Santo Nome pelos séculos dos séculos!

PS: Como os desesperados ouvirão a Palavra se nós não a pregarmos? Como os desesperados ouvirão a Palavra como verdadeira se alguns colocam o catolicismo como apenas uma "corrente de pensamento" ou como uma mera "corrente religiosa" apenas tão "válida" quanto as demais? Até a Igreja em seu magistério anda fazendo isso, infelizmente. Por acaso os apóstolos tinham meias-palavras? Ajudai-nos, Senhor, ajuda-nos a nos converter e a levar, com nossas palavras e nossa vida, vossa Salvação que vem por meio de Jesus Cristo.


quarta-feira, 22 de abril de 2020

Quarta-Feira da Segunda Semana de Páscoa - 22/04

At 5,17-26, Sl 33, Jo 3,16-21


Na primeira leitura, vemos os apóstolos sendo presos por mando dos Sumos Sacerdotes. Uma vez presos, o próprio anjo do Senhor os soltou, e eles voltaram a pregar no templo, deixando o povo extasiado. Os sumos sacerdotes ficaram embasbacados. Não se convenceram, obviamente, não abriram seus corações, não ouviram as palavras de 'vida eterna' ditas em Cristo pelo Espírito Santo por meio dos apóstolos.

O sumo sacerdote era o "sumo pontífice" da religião da antiga aliança. Ele era o único que poderia entrar no Santo dos Santos. Ele era aquele que fazia o papel de "ponte" entre o povo de Deus e o próprio Deus. Era uma posição de grande dignidade, mas é patente que o sumo sacerdote referido não estava a altura da dignidade daquilo que ele era. Fechado numa mera repetição e não aberto a Verdade que gritava a ele e que eles haviam crucificado, seu sacerdócio saiu de suas mãos e desapareceu. Não havia mais necessidade de sacrifícios de animais, o templo ficara obsoleto, pois o próprio Filho unigênito de Deus veio ao mundo, assumindo nossa natureza humana em tudo, exceto no pecado, de modo a oferecer-se a Deus num sacrifício no qual Ele era simultaneamente sacerdote e vítima. Aquele homem, aquele sumo sacerdote, aqueles sacerdotes, ofereciam bodes a Deus mas não ofereciam seus corações. Deus é Bondade, Deus é Verdade, como poderia ser sua glória aumentada pela mentira? Que cabeça tinham esses sacerdotes ao agir com tamanha desonestidade, buscando calar e não entender o que era dito pelos apóstolos? Os sacerdotes eram saduceus, que rejeitavam até mesmo os profetas e os salmos: como poderiam ouvir a Cristo? Não ouviram os profetas, não ouviram o próprio Deus: estavam apenas interessados em continuamente oferecer bichos em sacrifício a Deus, assim como faziam os pagãos, para garantir para eles e para todo o povo de Israel prosperidade, saúde e alegria terrena. O Senhor não habitava neles.

Nós, a princípio, ouvimos os profetas. Ouvimos, mais importante ainda, a Boa Nova de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ouvimos a Tradição, aquela que vem desde os apóstolos e dá um caminho seguro de como se deve viver de modo agradável a Cristo. Mas... em que sentidos vivemos isso que ouvimos? É muito fácil usar o próprio conhecimento de tudo isso, que é verdadeiro, para justificar atos maus e mesquinhos que, no frigir dos ovos, são atos que demonstram falta de caridade e até mesmo falta de amor a verdade! Quantos atos de nossa parte nos mostram que, como os sacerdotes da antiga aliança, apenas queremos uma "religião ideológica" para que possamos nela nos agarrar e anatemizar como inferiores, como culpados, como ímpios, todos os demais! Não estou aqui dizendo que todo pecado é fruto da ignorância, mas nem todo mundo que erra, erra de má fé. Alguns nunca ouviram a Revelação tal como ela é, e alguns estão tão presos em seus castelos que assumir como verdadeira a Revelação é doloroso demais. Infelizmente, esses escolhem o mau, esses pecam, mas muitas vezes eles escolhem o mal e o pecado por fraqueza, querendo, lá no fundo, mudar de vida. Como fazemos com essas pessoas? Estendemos a mão para ajuda-las a criar forças, ou as deixamos de lado? Sobre aqueles que defendem ideias erradas: mostramos caridosamente e profundamente, indo até as raízes mais profundas, o que é verdadeiro, ou simplesmente chamamos essas pessoas de burras para que aumentemos o nosso ego? Sobre aqueles que levantam indagações acerca de pontos que de fato são complicadíssimos: fingimos que é simples, dando uma explicação superficial com afetações de quem já meditou em todos os pormenores daquilo, ou de fato meditamos em todos os pormenores daquilo à luz da verdade conhecida?
Deus nos dê esse amor a Verdade e essa humildade, que é conhecer a verdade sobre nós mesmos, no final das contas. Ajudai-nos, ó Senhor, a fugir dessa nossa tendência de nos encastelarmos numa fortaleza segura, pois isso é testemunho de arrogância, de falta de caridade com o próximo e de, pasmem, desamor a Verdade. Não é que devemos contestar a Sagrada Escritura e a Tradição, isso nunca, mas fujamos de respostas simplificadoras e afetações de superioridade com relação a questões que, diferentemente do que dizem alguns, estão ainda em aberto. Que mal testemunho de amor a verdade dá um católico que, só por ter lido meia dúzia de textos de pessoas com muito mais embasamento, saem a pregar que o evolucionismo darwinista (não a filosofia e sim o suposto fato) é simplesmente um "mito" (sem aqui entrar no mérito da questão)! Que mal testemunho de amor a verdade dá um católico que simplesmente despreza como ímpias as questões de quem contesta a fé católica, sendo que, se essas questões fossem respondidas com profundidade e os postulados opostos, profundamente refutados, muitos poderiam vir a aceitar a verdadeira fé! Que mal testemunho de amor ao próximo dá aquele que usa a fé católica como um 'salvo-conduto de acerto', de modo que todos os que vivam diferente sejam considerados simplesmente como inferiores, e não como pessoas que, se tivessem tido as graças que Deus lhe deu, poderiam ser muito melhores que ela! Agradeçamos a Deus pelo dom da fé, rezemos por aqueles que se encontram no erro, amemos a verdade e busquemos esclarece-la cada vez para iluminar a mente daqueles que se encontram no erro, e sobretudo, sejamos humildes, reconhecendo que, sem o dom de Deus, nosso destino miserável seria indubitavelmente o Inferno, a Geena, onde o germe não morre e o fogo não se apaga.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo por tudo que Ele fez em nossa vida. Que possamos leva-Lo a toda a criatura, assim como os apóstolos que, aos saírem da prisão, voltaram imediatamente a prega-Lo publicamente no templo.



Anjo liberta os apóstolos da prisão

terça-feira, 21 de abril de 2020

Terça-Feira da Segunda Semana de Páscoa - 21/04

At 4, 32-37 , Sl 92, Jo 3, 7b-15

No Evangelho de hoje, Jesus Cristo continua seu diálogo com Nicodemos. O "vento sopra onde quer e não se sabe pra onde vai nem de onde vem": com essa frase, Nosso Senhor explica como age o Espírito Santo nos fiéis. O homem que está em estado de graça e é dócil ao Espírito age de um modo misterioso aos olhos dos homens. A pessoa, antes má, antes egoísta, age com um amor e com um desprendimento que desconcerta, que surpreende. Como pode se dar tal mudança? O que pretende a pessoa com isso? Não se sabe de onde vem a mudança, não se sabe aonde ela quer chegar com essa negação de si mesma para a maior glória de Deus e pelo bem dos outros. O que impressiona mais ainda é que essa pessoa que nega a si mesma se torna, de algum modo, cada vez mais ela mesma, e isso é perceptível. Ninguém é mais "ele mesmo" do que os santos o foram. Tudo isso se dá pela ação do Espírito, que "sopra onde quer" e que "ninguém sabe de onde vem e pra onde vai".

Isso é muito patente na vida dos apóstolos e seguidores de Cristo no relato da primeira leitura, que é concernente ao livro dos Atos dos Apóstolos. Não havia ali cristianismo de meia tigela. Eles não "largaram o pecado e observaram os mandamentos" como o jovem rico. Eles 'venderam tudo o que tinham e deram aos pobres'. Eles, inspirados pelo Espírito, abandonaram tudo, tudo, tudo, e colocaram perante Deus: não esperando uma multiplicação dos bens materiais, mas justamente o contrário, se desapegaram deles, colocando toda sua esperança no Senhor. Não é isso loucura perante os homens? Foi assim, vendendo campos para libertar escravos, que ao fim do império Romano (do ocidente) a escravidão havia sido praticamente abolida, retornando apenas na Renascença!

É dito também que eles colocavam tudo diante dos apóstolos (como fez São Barnabé com seu campo), para que estes distribuíssem os bens de acordo com a necessidade de cada um. O "comunismo" (não-ateu, não imanentista, não ideológico, mas sim no sentido de "colocar tudo em comum por livre e espontânea vontade") só poderia mesmo existir num contexto de santidade como este! Que diferença vemos se compararmos isso com os donos das mega-comunidades eclesiais! São sujeitos que, usurpando pra si o título de "bispo", de "apóstolo" ou seja lá o que for, prometem recompensas materiais (nem é a salvação, é dinheiro! É quitação das dívidas!) a quem coloca dinheiro perante seus pés. O que se vê: famílias pobres, com esperanças de uma vida melhor (que, na mentalidade comum de hoje em dia, é sinal de benção: quão distante está isso do pensamento dos primeiros cristãos!), colocando o pouco dinheiro que tem nos pés de "pastores" multimilionários que, se ajudam algum pobre, o fazem por marketing).
A mensagem que fica, no final das contas, é que quem é movido pelo Espírito age de um modo incomum pra um ser humano. Não se entende "de onde ele vem" e pra "onde ele vai". A meta é a salvação eterna. Enquanto buscarmos justificativas "humanas", materiais, imanentistas, para nossos atos, enquanto não fizermos tudo em vista da nossa santificação, enquanto não fizermos tudo em vista do agrado de Deus, que "nos amou por primeiro", não estaremos vivendo uma vida digna de um Filho de Deus, morada do Espírito Santo. Que, no dia de hoje, eu possa olhar pra dentro de mim de modo a ordenar tudo o que tenho, todas as minhas potências, todas as minhas poucas virtudes, todos os meus bens materiais e minha própria vida, para a maior glória de Deus, para o bem do próximo, enfim, para amar mais a Deus.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
 



segunda-feira, 20 de abril de 2020

Segunda Feira da 2a Semana de Páscoa - 20/04

At 4, 23-31 ; Sl 2, Jo 3, 1-8

O Evangelho do dia é o Evangelho no qual Nicodemos vai ter com Jesus a noite, ficando confuso acerca do que significa "nascer do alto". Cristo ensina que a conversão, a justificação, não é uma realidade meramente humana. Ninguém se salva por ter bem desenvolvidas as tais virtudes humanas, embora elas sejam utilíssimas e se ordenem as virtudes sobrenaturais. Só pode se salvar aquele que "nasce do alto". Nascer do alto é, em primeiro lugar, perceber a insuficiência de si mesmo. O homem não pode salvar a si mesmo, e, como qualquer um que tenha buscado ser bom e puro de coração já percebeu, é muito claro o manancial lamacento de maldade que brota do nosso íntimo. É algo que se percebe nos escritos de muitos místicos: quanto mais santos eles se tornam, quanto mais "configurados a Cristo" eles estão, mais eles se percebem indignos dessa mesma justificação.
O homem, percebendo então que ele está mortalmente ferido, mortalmente ferido pelo pecado, se coloca diante de Deus como uma criança, confiando sua vida a Ele. Se não podemos salvar-nos a nós mesmos, Ele pode nos salvar. Mas somos maus, e a dignidade de Deus é infinita. Sendo a dignidade dele infinita, qualquer pecado nosso, que é no fundo um revolta contra o mesmo Deus, é uma ofensa infinita a Deus. Deus não guarda rancor, Ele não deixaria de nos perdoar assim mesmo, mas a realidade é que, pecando, ofendendo o fundamento mesmo do nosso ser, ofendendo infinitamente Aquele que nos criou de modo livre e gratuito para que participássemos de Sua felicidade infinita, nossa alma "se rompe", nossa alma "estraga", nossa alma "morre". O pecado é uma ingratidão tão grande, é um mal tão grande, que nosso íntimo só pode reagir ao pecado mesmo que cometemos de dois modos. Um deles, o menos dolorido, o menos sofrido, o "natural", por assim dizer, é passar a odiar seu próprio fundamento, buscando consolo nas criaturas. Quando a morte chega, quando passa o que há de passar, quando a pessoa fica diante do seu fundamento, não há o que fazer, esse fundamento é odiado, é rejeitado, e a alma precipita no inferno. A outra reação, muito mais dolorosa, é a do arrepender-se, é o de se reconhecer sujo, indigno, um verme, um canalha, um ingrato. A pessoa não foge dessa percepção passando a odiar a causa mesma dessa percepção, leia-se, Aquele que colocou essa percepção do Bem e do Mal em nosso coração, Deus. A pessoa percebe a sua grande indignidade e se coloca diante de Deus. Mas o que temos nós para oferecer a Ele? Diante Dele, até o arrependido se desesperaria, e não suportaria sua presença, pois nosso pecado exige fiança infinita. Mas Cristo pagou o preço pelos nossos pecados. Cristo é o próprio Deus, que se fez "pecado" (note, ele não se fez "pecador", se fez pecado, isso é, ele assumiu para si as culpas de todos os pecados do mundo apesar Dele ser puro e perfeito em grau sumamente grande). É sabendo que Cristo morreu pelos nossos pecados, e, usando nossa própria natureza humana como ferramenta, finalmente amou como homem a Deus do modo que Ele merecia ser amado, e também nos mostrou como deveríamos amar uns aos outros: derramando nosso sangue.

Diante de nossa ignobilidade, nos colocamos diante de Deus, e como Cristo morreu por nós, percebemos que a "dívida infinita" do homem como espécie pecadora e má diante de Deus foi paga. O pecado de Adão, pelo batismo, é apagado, o homem "nasce do alto" para uma nova vida, uma vida onde Cristo mesmo, em germe, passa a viver em nós. É uma vida, portanto, não "condenada", mas uma vida com esperanças. E, conforme Cristo se desenvolve em nós, vamos nos desenvolvendo nessa nova vida. Se nós, pela nossa própria indignidade que percebemos em nós mesmos, pela nossa enorme ingratidão e maldade, não podemos senão nos desesperar diante de Deus, pela "nova vida" dada por Cristo, podemos finalmente, pelos méritos Dele, crescer numa vida nova, nos libertar (pouco a pouco) do pecado e viver cada vez mais, como São Paulo dizia, de modo que "Cristo viva através de nós". Nenhum homem pode agradar a Deus por si mesmo. Apenas Cristo amou a Deus como Ele merece. Vivendo com Cristo, por meio de Cristo, pela ação do Espírito Santo, devemos nós mesmos nos transformar em Cristo, libertando-nos dos pecados e entregando tudo a Ele, de modo que nós, que estamos unidos a Jesus Cristo por natureza desde a Encarnação, possamos nos encontrar diante de Deus com esperança, pois deixamos que Cristo gerasse frutos em nossas vidas, não frutos humanos, mas frutos do próprio Deus que se fez carne.
Que, sabendo que Cristo é o fundamento do cosmos e o único Salvador, possamos nos colocar totalmente diante Dele, sabendo que nada é mérito nosso, mas que tudo de bom e do agrado de Deus que possamos fazer é feito, necessariamente, em união com esse mesmo Cristo que nos infunde esperança, esperança de salvação, esperança de, no findar de nossos dias, encontrar-se justificado diante de Deus, justificado pela vida na caridade que é a vida do próprio Cristo se manifestando em nós. Que possamos ir para o céu, e nos alegrar infinitamente e louvar eternamente a Deus pelo seu amor totalmente desinteressado para conosco, por ter nos criado, redimido, deixado sua Igreja e possibilitado que possamos viver uma vida nova, não essa vida indigna de verme que rasteja, mas a vida do próprio Cristo, uma vida com germe de santidade, uma vida de filho de Deus.


domingo, 19 de abril de 2020

Domingo da Oitava de Páscoa ou Segundo Domingo da Páscoa - 19/04

At 2, 42-47 ; Sl 117 ; 1Pd 1, 3-9 ; Jo 20, 19-31

Na primeira leitura, Deus nos fala de como viviam os primeiros cristãos, como eles botavam tudo em comum, como eles colocavam o Senhor no centro de tudo e viviam isso. Não há como os primeiros cristãos, no frigir dos ovos, são eles as referências máximas de conduta que devemos ter. Os maiores santos, em virtude da Vontade de Deus que era propagar a fé, são os santos dos primeiros tempos, da era apostólica. Na segunda leitura, São Pedro nos explica que os sofrimentos e as provações nos são impostos para, como o próprio nome diz, nos provar, como se prova o ouro com fogo, como se prova o conhecimento de um aluno aplicando-lhe uma prova. Que fé é essa que não precisa se afirmar num contexto que lhe é adverso? E assim entramos no Evangelho, que é o famoso evangelho do "ver para crer" de São Tomé. Muito poderia ser dito aqui, mas o que me toca o coração, e aqui vamos direto ao sujeito principal dessa meditação, é a chaga do lado aberto de Cristo, na qual Ele manda que Tomé enfie sua mão. Era uma chaga grande, por certo, pois para caber uma mão é necessário que o ferimento seja enorme. Cristo manteve suas chagas porque elas são provas de amor e porque elas dão testemunho que é o mesmo Cristo que morreu que aparece agora diante dos apóstolos. Mas a chaga do lado aberto, a chaga no peito, mostra-nos uma coisa fundamental, aquela que é a mais fundamental do cristianismo, e que São Paulo já dizia no seu hino a caridade. De nada servem os dons, o conhecimento, a eloquência, ou até mesmo a fé, se não há a caridade. Sem a caridade, tudo é ouropel, tudo é ouro de tolo. Não que a fé não seja necessária, ela é necessária, sem fé não podemos ser salvos, mas ser "necessário" é diferente de ser "suficiente". A fé nos coloca no caminho certo, mas se não vivermos na graça e não crescermos na caridade, nada, absolutamente nada terá valido. Os estudos, o crescimento intelectual, se não tiverem em vista o bem dos outros, a pregação da Verdade que liberta e dignifica o homem, mostrando-lhe como recuperar a imagem de Deus, ou o crescimento na santidade e na caridade, de modo que nossa mente fique ordenada a fim de que possamos amar melhor, de nada valem. O trabalho, que coloca comida na mesa, de nada vale se não for uma entrega livre de si pelo bem daqueles que por você são sustentados, e também de nada vale se as adversidades mesmas advindas deste não forem ocasião para que você prove (provação) mais uma vez seu amor pelo Senhor, que sabemos pela fé, tudo dispõe para o nosso bem. Sem a caridade, tudo é palha. Então, como Cristo, rasguemos nosso peito, nosso lado, nos entreguemos, coloquemo-nos na posição de servos, de servidores, assim com Cristo fez por nós. Só isso nos dignifica. Só isso nos santifica. Só isso agrada a Deus e nos faz mais semelhantes a Ele. Que a caridade, que o rasgar o nosso peito, que a busca constante pelo "ter em si os sentimentos de Cristo" ordene nossa vida, e que tudo o mais esteja submetido a essa norma perfeita. Afinal, não é isso que é "buscar em primeiro lugar o reino de Deus"? O amor (que se funda no amor a Deus, que nos amou por primeiro) vale mais do que a morte, já dizia o salmo rezado hoje nas Laudes. Tudo o mais virá por acréscimo. Tenhamos esperança no Senhor.

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.

sábado, 18 de abril de 2020

Oitava de Páscoa - Sábado - 18/04/2020

At 4, 13-21 ; Sl 117, 1-21 ; Mc 16, 9-15

Tanto a primeira leitura quanto o Evangelho falam de situações que tem em comum uma coisa: a ausência de fé diante das evidências. Na primeira leitura, vemos que os sacerdotes, os anciãos e os escribas, apesar de terem visto o milagre feito em nome de Cristo pelos apóstolos, buscaram não entende-los, não ouvi-los, não analisar o que eles diziam, mas sim cala-los e ameaça-los para que aquela, na visão deles, "seita", não crescesse mais. No Evangelho, Cristo repreende os apóstolos por eles não terem crido naqueles que O haviam visto ressuscitado. A grande diferença é que os apóstolos, vendo, creram, enquanto os mestres da lei, ao verem (o milagre), buscaram cala-lo, de modo que ele não "gritasse" mais ainda que Jesus é O salvador.

Trazendo pra minha realidade: eu não tenho qualquer dúvida de que Cristo é o salvador e ressuscitou. Eu não duvido que a Santa Igreja é "coluna e sustentáculo da verdade", deixada pelo próprio Cristo pra ser "luz das nações", pra revelar a face de Cristo pra'aqueles que não puderam olhar seu rosto pessoalmente, de modo a ensinar a nós tudo aquilo quanto Ele nos deixou. Uma das coisas que a Igreja ensina é de que "o marido é a cabeça da esposa, assim como Cristo é a cabeça da Igreja". Isso dá ao mesmo tempo um poder e uma responsabilidade ao marido: é dever dele reger o lar, a família, em direção ao bem comum. Não é com fins despóticos que o homem governa o lar: esse governo, assim como o governo das nações, deve estar ordenado a salvação eterna dos membros da família e, de modo menor, à salvação eterna de todos aqueles que podem ser chamados de "próximos". Mas, por falta de confiança, por uma certa vontade de se abster da autoridade, vista como um "privilégio", eu ultimamente venho negando essa função mesma que define o ser do marido, do pai, do homem. Eu, apesar de ver que algo é bom, busco mais agradar momentaneamente a família do que tomar decisões mais duras, porém mais conformes aquilo que é o certo. Pior, por vezes eu simplesmente me abstenho que tomar qualquer decisão, deixando-a nas mãos de minha esposa! Onde está a liderança, onde está o cumprimento da vocação mesma que me foi delegada diante de Deus no sacramento do matrimônio? A Igreja ensina isso, eu sei isso, e não faço. Nesse ponto, não é que eu precise "ver pra crer". Não é que eu queira abafar a verdade, de modo que minha palavra de torne uma "falsa verdade", como gostaria de fazer Eva, tomando conhecimento "do bem e do mal". É uma terceira situação: eu vejo a verdade, mas por fraqueza, por tibieza, ou pior, por falta de senso de que aquilo de fato é importante e fundamental, eu não vivo suas consequências na minha vida.

Peço-vos então Senhor que me livre dessa tibieza. Fazei-me abraçar a vocação mesma que é o meio ordinário pelo qual me santificarei (além de, é claro, pela vida intelectual, pela oração, pelo trabalho escrupulosamente cumprido, etc). Que eu possa ser um verdadeiro chefe do lar, de modo que todos possam crescer perante essa minha autoridade protetora, que dá segurança e que conduz ao bem de todos. Que eu possa ser uma rocha firme pra minha família. E que eu possa ter-Vos, Senhor, como rocha firme, alicerce sobre o qual eu construo a minha vida.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Oitava de Páscoa - Sexta-Feira - 17/04/2020

At 4,1-12 , Sl 117,1-27a , Jo 21,1-14

Hoje inauguro oficialmente essa extensão de meu blog, chamado "o refúgio". Dei o nome "A vida ao ritmo da liturgia" para "homenagear" o livro que me incitou a tentar viver essa "espiritualidade litúrgica", que consiste em ler as leituras da missa do dia para que, meditando nelas (com a graça de Deus), eu possa ver como aquilo se encaixa na minha realidade. Talvez nada que esteja aqui seja lido por alguém a não ser eu mesmo e, talvez, minha linda esposa, coitada, que as vezes eu peço para ler isso que escrevo.
Estamos já no tempo pascal. Como é de costume nesse tempo, a leitura do Antigo Testamento dá lugar os Atos dos Apóstolos. A antiga aliança se cumpre perfeitamente em Cristo, que, morrendo na cruz e ressuscitando, sela com seu próprio sangue a nova aliança, o sangue que é chamado "sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por muitos para a remissão dos pecados". O próprio Deus encarnado continua atuante por meio da vida de seus apóstolos, que, agraciados pela ação do Espírito Santo, põe-se a pregar destemidamente que a salvação está na fé em Jesus Cristo. Aqueles pescadores humildes, aqueles galileus sem dinheiro nem instrução, saíam por aí a ensinar, a pregar um Deus crucificado. É evidente que eles falavam bem, é evidente que brilha aquele que fala inspirado pelo Espírito Santo, mas é também muito fácil compreender o porque muitos desdenhavam deles. Nem sequer paravam para ouvi-los, pois suas mentes estavam presas em uma petição de princípio, que negava a possibilidade de qualquer mérito daqueles homens já antes de ouvi-los. E era diferente com Cristo? Acaso o servo é maior que seu Senhor? E por acaso será diferente também conosco? O talento humano, a posição, a inteligência, tudo isso dá mais peso pra aquilo que um homem diz de modo que a sua opinião será normalmente levada a sério, mas quando esse mesmo homem prega aquela que é a verdade eterna de Deus, então é como se, inconscientemente, surgisse na mente do ouvinte uma permissão para tomar como mera excentricidade aquilo que é dito.

E no Evangelho, Cristo aparece para os apóstolos pela terceira vez. Eles se põem a pescar, fracassando. Um homem misterioso vem, e seguindo seu conselho, são pegos tantos peixes que a rede se torna quase impossível de se puxar. Quem busca se realizar sozinho não "pesca" nada, quem ouve o que Cristo diz pesca peixes abundantes, dá muito fruto, se realiza, se torna aquilo que Deus deseja que ele seja, se torna aquilo que ele nasceu pra ser. E Cristo está aqui. Ele se faz presente (infelizmente não "pessoalmente" no sentido Eucarístico, em virtude dessa pandemia que coloca homens maus como nós apartados dos sacramentos, de modo que, se bobearmos, poderemos acabar nos tornando mais maus ainda) ao nosso lado. Mas na nossa vida por vezes fazemos como os Mestres da Lei e não ouvimos o óbvio, não ouvimos aquilo que sabemos. Sabemos que devemos rezar, mas não rezamos, preferimos fazer qualquer outra coisa que seja. Sabemos que a procrastinação e a dissipação, encarnada no excesso de informações, desordena a mente, a abarrota de coisas inúteis e torna o raciocínio embotado e tortuoso. Sabemos que a oração não deve ser feita com pressa, mas rezamos o terço como quem está com dor de barriga e quer logo ir para o banheiro. Sabemos que precisamos silenciar e olhar pra nossa própria miséria, mas preferimos esconde-la, preferimos fugir de nós mesmos por meio das 1001 alternativas tecnológicas que nos possibilitam realizar tão ignóbil tarefa.

Porque Senhor, porque insistimos em buscar a realização sem Vós? Porque nos recusamos, acidiosamente, a buscar não só a felicidade, mas nossa Salvação Eterna? Por acaso achamos que já está tudo garantido? Será que achamos que, na hora H, nos arrependeremos? Será que achamos que amar não vale a pena? Ou pior de tudo: será que achamos que já está tudo perdido e que devemos, como nos resta, apenas nos regojizar no cocô ao qual se reduzem todos esse pequenos prazeres vis que hoje o homem busca como fim último de sua existência?

Pela Vossa Paixão e Morte na cruz, Senhor, pela Vossa maravilhosa ressurreição, que mostrou que Vós sois a luz do mundo e o sentido da vida, não deixei que eu desanime! Reveste-me de novo ânimo, mata-me e ajuda-me a ressuscitar convosco! Ajuda-me a romper de modo radical com toda essa rotina de vício, com essa maldita auto-indulgência que tanto mal me faz, de modo que eu saia desse conforto burguês maldito e ame de fato, me entregando pelos meus e fazendo, em cada momento, em cada minuto, exatamente aquilo que eu deveria fazer. Sem desculpas, sem explicações, sem concessões. Cada minuto será cobrado. Mas há esperança. Cristo é nossa esperança. Não deixei que eu a perca, Senhor. Renova-me com o Vosso amor! Quero servir-vos, mas sou fraco! Levanta-me! Curai-me! Fazei-me ser o homem que Vós me fizeste para ser!

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Batismo do Senhor - 09/01/2022

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