At 2,14.22-33, Sl 15 , 1Pd 1,17-21 , Lc 24,13-35
Nesse 3° domingo do tempo pascal, meditamos no fato de que, para haver ressurreição, precisa haver paixão. A primeira leitura, que é a leitura dos Atos dos Apóstolos, conta como foi a pregação de São Pedro da manhã de Pentecostes. Ele mostrou que Cristo, que falava com autoridade, foi entregue as mãos dos sacerdotes e dos mestres da Lei para que Ele fosse crucificado. Aqui vem o primeiro fato: tudo isso era desígnio de Deus. Cristo veio ao mundo, sim, para trazer uma mensagem, para ensinar, para dizer como deveríamos viver (e depois para, iluminando nossa mente, nosso coração de pedra se tornasse um coração de carne, capaz de obedecer os mandamentos por amor, não por medo), mas principalmente, Cristo veio ao mundo para morrer na cruz. Ele é o Filho Eterno de Deus Pai, Deus como o Pai, e Ele veio ao mundo para morrer por nós, pelos nossos pecados. Ele precisava fazer isso? Ele não poderia apagar nossos pecados num simples ato de Sua onipotência, sem precisar assumir essa nossa natureza? Claro que poderia. Mas o que Ele estaria nos ensinando? Cristo, deixando-se livremente morrer na cruz, mostrou-nos como amar. Amor é sacrifício, amor é livre entrega de si, e que amor maior, que entrega maior, do que dar da vida pelos seus? Se Deus tivesse nos perdoado num simples estalar de dedos, pecaríamos novamente e morreríamos sem nos arrepender. A paixão de Cristo é redentora não só porque ela "aplaca" a ira de Deus, mas porque, usando a nossa própria humanidade fraca e imperfeita como ferramenta, amou a Deus como Ele merece e amou a todos nós como nós não merecemos, mostrando-nos, ainda por cima, como devemos amar. Amor é o dom livre de si. Como saberíamos disso? Ele poderia ter dito isso de modo direto, mas certamente não entenderíamos isso tão bem quanto podemos entender meditando os profundos mistérios da cruz, o mistério da Paixão, o mistério do próprio Deus, o Puro, que Se entrega em holocausto, sacerdote e vítima, para a salvação daqueles que eram seus inimigos. Que ato sublime de amor! São Pedro, entretanto, afirma a ressurreição, vista com seus próprios olhos e predita pro Davi, antepassado de José, pai adotivo de Jesus: "vosso amigo não conhecerá a corrupção". Deus, para dar testemunho de seu poder, ressuscita Jesus dos mortos, e Jesus ganha um corpo glorioso, ressuscitado, vencendo a morte e dando testemunho de que aqueles que Nele crerem ganharão a vida eterna. É isso! Cristo veio, morreu na cruz por nós, e, convidando-nos a nos unir no sacrifício da cruz com Ele (carregue vossa cruz e me siga), nos promete a Vida Eterna, não vida, mas Vida, Vida absolutamente feliz, em união com Deus, Sumo Bem, nosso Princípio Primeiro e nosso Fim Último, do qual, em Cristo, podemos ser novamente amigos.
A segunda leitura e o Salmo falam de coisas semelhantes. O Salmo é o Salmo de Davi que diz que "seu amigo não conhecerá a corrupção". A segunda leitura, da carta de São Pedro, também fala de Cristo como cordeiro sem mancha que se entrega por nós e é ressuscitado, ressurreição essa que é testemunho da parte de Deus mesmo que tudo quanto Cristo disse é verdade e que Ele de fato é Filho de Deus, conatural ao Pai, dos Quais procede o Espírito Santo, Amor Eterno entre o Pai gerador e o Filho gerado.
O Evangelho é o dos discípulos de Emaús. "Como ardia nosso coração quando ele estava conosco". Essa é a passagem favorita da minha esposa, e eu entendo o porquê: como aquece o coração a esperança dada por Cristo, a luz que Sua Palavra joga em nossas mentes! Como aquece nosso coração pensar em receber o Cristo Sacramentado, que se faz pão por amor a nós, para que, estando com Ele, possamos "aquecer nossos corações" de modo a abandonar essa preguiça que faz com que desanimemos do bem!
Os discípulos de Emaús voltavam de Jerusalém entristecidos. Aquele em quem confiavam a libertação foi morto e sepultado. Acabaram-se as esperanças, e o testemunho das mulheres, para eles, não havia sido suficiente. Cristo, então, se colocando ao lado deles, diz que eles "são sem inteligência e lentos para crer". No original grego, segundo Padre Paulo, se diz "lentos de coração". Se trata aqui de duas das quatro feridas que o pecado deixou em nós, que nos torna desordenados. São as feridas na inteligência (quem peca ou se agita com muitas coisas, fugindo daquilo que deve ser feito, que é o bem pois é vontade de Deus para nós, se torna burro, desconcentrado, grosseiro, sem capacidade de fazer as retas distinções) e na vontade (que se torna arredia a inteligência ainda que essa saiba o que é o bem, preferindo obedecer aos apetites sensíveis). Cristo, aquecendo o coração deles e iluminando suas mentes, mostra que a Palavra de Deus é antídoto pra tudo isso. Quando nos colocamos diante de Deus com docilidade, a escuta da Verdade, meditando e buscando viver isso em nossa vida, a Graça age (de graça!) em nós e nos purifica, iluminando a nossa inteligência e convidando a nossa vontade. A Palavra de Deus é alimento diário, é a meditação no mistério mesmo de Cristo, do Deus que por amor vem ao mundo pra nos salvar. Ao fim da explicação, Cristo vai com eles para o povoado e parte o pão na frente deles. Esse é o gesto próprio do Cristo, o partir o pão. Ele, fazendo isso, abre os olhos dos discípulos, que finalmente reconhecem que quem está com eles é Aquele que É, e desaparece. Fica o pão partido, que é o "Seu Corpo, que será entregue por vós". A Palavra nos conduz a Eucaristia, onde podemos, com a inteligência iluminada e a vontade convidada, receber o próprio Cristo em nosso coração. A Eucaristia alimenta, fortalece a vontade, purifica a inteligência fazendo com que a Palavra nos conforme mais ainda a Cristo, enfim, nos coloca numa união íntima com Cristo, a mesma união dos grandes santos.
Depois desse maná sagrado, que alimenta não o corpo, mas a alma, conduzindo-nos a Vida Eterna, os discípulos de Emáus diligentemente vão a Jerusalém para anunciar que haviam visto o Senhor. É o terceiro passo: a escuta da Palavra nos conduz a intimidade com Cristo, que, por sua vez, nos impele a pregação da esperança no Deus vivo que em nós fez maravilhas. Acabou-se o desânimo, foi-se a preguiça, e, noite adentro, saíram aqueles dois homens, provavelmente subindo ladeiras e enfrentando perigos para anunciar o quanto antes aquilo que lhes fora relevado. Cristo vive, Cristo vence!
Nós, sem a Eucaristia por enquanto (talvez seja, quem sabe, hora de procurar saber como posso receber a Eucaristia fora da missa, tendo em vista que o Bispo disse que isso deveria ser feito aos fiéis que desejassem), nos alimentamos com a Palavra, que nos impele ao desejo dessa mesma Eucaristia. Esse desejo profundo, embora inferior a receber a Eucaristia mesma, é salutar e também nos alimenta. Sem esse alimento, sem essa transformação, sem essa 'metanoia', é impossível que haja qualquer êxito no nosso testemunho de fé. Esse testemunho é testemunho de vida e de palavra, não de uma vida ordenada meramente humana, mas de Vida Divina em nós, coisa que não podemos fazer com nossas próprias forças. Exige docilidade. E a palavra que devemos proclamar não é nossa, mas precisa estar enraizada na Palavra que é o próprio Cristo, Verbo Eterno que sustenta tudo que existe, Alpha e Ômega, Caminho, Verdade e Vida. Que, meditando na sua Palavra, conheçamos o Caminho, para que, buscando estar intimamente ligados à Verdade em Pessoa, que ilumina a inteligência, convida a vontade, possamos viver uma Vida divina e anuncia-la a todos, por atitudes e ensinamentos, vivendo com amor amor e com santidade.
Nessa semana eu buscarei fazer comunhão espiritual todos os dias. A Palavra nos convida a desejar, que desejemos receber o Cristo. Que essa resposta de amor a quem "nos amou por primeiro" me purifique e me leve pra mais perto de Deus. E que, vivendo assim, eu possa dar um testemunho melhor de "vontade ordenada", colocando todos os meus atos a luz do amor de Cristo. Que eu não aja de acordo com meus desejos desordenados, Senhor, mas de acordo com Teu Amor e com Tua Justiça. Ajuda-me a não agir mais reativamente, mas colocar tudo sob a Vossa Luz para que nada de mau seja feito por mim.
Enfim, essa é a minha meditação de domingo. Que o Senhor Jesus Cristo seja louvado pelos séculos dos séculos. Amém.
Discípulos de Emaús e Jesus Cristo