quinta-feira, 23 de abril de 2020

Quinta-Feira da Segunda Semana de Páscoa - 23/04


At 5, 27-33 ; Sl 33 , Jo 3, 31-36

A primeira leitura fala da opressão do sinédrio sobre os apóstolos, proibindo-os de pregar em nome de Jesus Cristo, e a recusa dos apóstolos em obedecer a isto, afinal eles deviam obedecer a Deus, e não aos homens. No Evangelho, São João fala, em sua linguagem mística, de que aqueles que aceitam o que Cristo disse aceitam a salvação e herdarão o céu, e aqueles que não aceitam, se manterão sob a ira de Deus.

Após o testemunho dos profetas, veio Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, homem como nós em tudo, exceto no pecado. Sua revelação, que Ele nos deu com palavras e com o próprio testemunho de Sua Morte e Ressurreição, dá uma resposta para o homem, joga uma corda para que o homem possa escalar o paredão gigantesco que se apresentava diante dele, beco sem saída, onde o homem só poderia ter como destino morrer de fome ou ser comido pelas feras. Que paredão é esse? É a insuficiência desse mundo. Na época em que veio Cristo, estava a surgir no mundo um fenômeno jamais antes visto: o ateísmo. A "pax romana" havia levado ao cume, na medida do possível, a sociedade humana, havia paz, havia uma ordem social, o imperador havia unificado sob seu poder um enorme território composto de muitos povos, havia "liberdade religiosa" (desde que essa religião não saísse muito do foro pessoal), enfim, era uma civilização que lembrava muito a de hoje (com o agravante de que hoje a revelação é vista como algo velho, antiquado e indigno de consideração!). E o vazio, a morte, a percepção da decadência, o veneno do vício, pairava no ar como um vapor negro e sutil, lembrando ao homem a incerteza de seu propósito nesse mundo e a maldade repugnante que ele, a contragosto, aprendia a amar por incapacidade de a ela resistir. É o mundo da canção do Epitáfio de Sícilo
Enquanto viveres, brilha.
De todo não te aflijas,
Pois curta é a vida
E o tempo cobra seu tributo

Esse é o mundo em que Cristo veio, dando uma resposta pro homem, que pouco a pouco tomava consciência do absurdo de sua existência e da potência inexorável do pecado, sem, entretanto, ser capaz de achar uma solução para tal. Eram como homens "abandonados" por Deus, vivendo cada dia por vez, buscando a felicidades nas coisas e na negação de sua própria condição maldita.
Entretanto, essa não era a situação dos judeus. Estes, diferentemente de todos os povos, se recusavam a colocar seu Deus no panteão, representado por uma estátua, junto com os outros "deuses". Seu Deus era um Deus ciumento, um Deus que, sendo o verdadeiro, deixava bem clara no povo eleito a consciência de que a idolatria, a "prostituição" politeísta, levava a morte da alma. Os judeus esperavam uma "libertação": os mais sábios sabiam que era dessa condição horrível de "inimigos de Deus". Outros, ainda, acreditavam que essa libertação viria através de um Messias guerreiro, que colocaria o Império Romano debaixo de seus pés e colocaria todos os povos do mundo a serviço do povo eleito, que imperaria para sempre, numa espécie de milenarismo. Os sacerdotes do templo eram diferentes. Eram na maioria saduceus, que negavam a vida após a morte, a ressurreição da carne e a fé naquilo que havia sido revelado pelos profetas. Seu interesse estava apenas na manutenção do culto perpétuo para garantir a "paz" em Israel. Apareceram então os apóstolos, como uma desconcertante mensagem de esperança, fazendo sinais e prodígios e levando o povo a conversão. Os saduceus viram aquilo como uma ameaça a 'estabilidade' que eles buscavam. Eram, no fundo, homens cansados, "velhos", que haviam desistido, que viviam um desesperado resignado, de modo parecido com os pagãos. Os apóstolos mostram que toda esperança no mundo é uma esperança desesperançada, pois tudo nesse mundo passa. E mostraram também que o desespero não era a última palavra: Cristo se encarnou, o próprio Deus se fez carne, morrendo, mostrou-nos como amar e pagou Ele o preço pelos nossos pecados, e, ressuscitando, mostrou cabalmente que ele É. Cristo é a resposta pra todas as coisas, é a resposta pra nossa vida. Quem ama a cômoda e disfarçada desesperança odeia a Cristo pois Ele incomoda. Ele age na direção de "abandonar tudo e segui-Lo". Ele abre os olhos das pessoas, mostrando que só há dois modos de se viver coerentemente com a verdade daquilo que se crê no que concerne o sentido da vida: ou se abraça a salvação que vem de Cristo, ou se vive o absurdo completo da vida humana num estado de revolta. Ora, de modo último, esse segundo jeito não é uma verdade, pois se baseia na recusa (ao menos até o convencimento) de aceitar a salvação. Quem se resigna nesse último e busca um objetivo "aqui e agora", achando que a felicidades dessa vida é "o que tem" e que não há nada melhor a se fazer do que não pensar na morte, solta a boia e se vai no náufrago, a afogar-se no desespero do fogo eterno vindouro sem nele pensar até que ele chegue. Aquele que, entretanto, vive o absurdo com sede de verdade, com sede de sentido, não vivendo o calmo desespero como os budistas nem a mentirosa "esperança imanentista" dos pagãos e saduceus, aquele que buscar a verdade até o último momento, estará, no fim das contas, buscando a Deus sem saber. E Cristo é quem responde a esses últimos. No fim das contas, só Ele é a resposta. Ou se aceita, ou se vive o desespero com consciência do absurdo (o que, se for unido a uma sede de sentido e um amor a verdade, pode ser um caminho também para Cristo), ou se vive fingindo que está tudo bem como a boca enorme do Vazio o aguarda, pronto a devora-lo no findar de sua vida terrena.
Não entro aqui no mérito da possibilidade de provar a existência de Deus pela razão ou não. É claro que é possível provar que Deus existe racionalmente. Mas como saber que esse Deus nos salvará? Como saber que Ele não criou tudo e nos deixou aqui? Como saber que Ele nos ama? Cristo é a resposta. Nele se responde tudo. E Ele é amor, e nos ajuda a amar com Ele. Ele nos convida a entregarmos tudo a Ele, pois só Ele pode dar, e Ser, o sentido de nossas vidas. Coragem! Abandonemos tudo aquilo que nos afasta da verdade, neguemos a nós mesmos e coloquemo-nos aos pés do Senhor que veio para nos salvar, ouvindo tudo que Ele diz por meio da Sagrada Escritura e da Tradição e Magistério da Igreja. Vivamos a vocação dada pelos sacramentos. Entreguemos o nosso coração a Cristo, pelas mãos de Maria, para que possamos, como a Santa Mãe, gestar o Verbo eterno em nossos corações. Não ao desespero! Cristo é esperança. Cristo é a vitória. Cristo é o sentido, nO qual tudo foi feito e para O qual tudo foi feito. Que sejamos Nele e para Ele. Louvado seja o seu Santo Nome pelos séculos dos séculos!

PS: Como os desesperados ouvirão a Palavra se nós não a pregarmos? Como os desesperados ouvirão a Palavra como verdadeira se alguns colocam o catolicismo como apenas uma "corrente de pensamento" ou como uma mera "corrente religiosa" apenas tão "válida" quanto as demais? Até a Igreja em seu magistério anda fazendo isso, infelizmente. Por acaso os apóstolos tinham meias-palavras? Ajudai-nos, Senhor, ajuda-nos a nos converter e a levar, com nossas palavras e nossa vida, vossa Salvação que vem por meio de Jesus Cristo.


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